quarta-feira, 31 de março de 2010

O significado da palavra "humano"

Há palavras astutas como os camaleões. Camuflam-se, escondem-se, disfarçam-se. "Humano" é uma dessas palavras, talvez a mais enganadora de todas. Por força da habilidade que tem para o embuste, ludibria principalmente os mais jovens, que são também os mais propensos à ingenuidade. Tenho notado, em bate-papos com alunos das séries iniciais, que para eles "humano" tende a ser considerado sinônimo de generoso, compassivo, benevolente, bondoso. A maioria se surpreende quando digo que "humano" pode ser também, e costumeiramente é, abjeto, repelente, desprezível, asqueroso. Para a religião, para a ética, para a moral e para as relações humanas, isso pode ser horrível. Para a literatura, é maravilhoso, quase uma bênção. Uma literatura construída com base só em bons sentimentos mataria os leitores de enfado. Seria algo do tipo "João era piedoso, mas Pedro talvez fosse mais ainda, e Antônio possivelmente ainda mais". Leríamos trezentas páginas para desvendar maravilhados, na última, o grande mistério: qual deles -- João, Pedro ou Antônio -- seria mesmo o mais piedoso dos três. Realmente emocionante. Chego a este ponto e me vem de novo uma antiga ideia. Quando finalmente será erguido um monumento ao Vilão, esse personagem sem o qual o conto, a novela, o romance, o teatro e o cinema não sobreviveriam? Escritores, dramaturgos, roteiristas, é hora -- eu penso -- de se abrir a subscrição.

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