sábado, 17 de abril de 2010

Pequenas alegrias urbanas (36) -- Cego

O homem desceu do enorme carro e caminhou para ele com ginga e gestos de lutador. "Você é cego ou é idiota?", rosnou, com a mão direita já levantada e a esquerda um pouco atrás, mas também ameaçadora. Ele saiu do carrinho imaginando o estrago que aquelas mãos poderiam fazer no seu rosto e, quase arrastado, foi ver o que sua inabilidade havia provocado no carro do homem, que continuava a xingá-lo. Ficou aguardando o impacto do primeiro soco, mas o homem começou a se acalmar, até que disse: "Bom, parece que não aconteceu nada com o meu. Sorte sua, porque ele é importado e as peças, a lataria, tudo é muito caro." O homem entrou no carro em que tudo era caro e, ao dar a partida, ainda olhou rancorosamente para ele, todo encolhido no seu carrinho. Puxa, dessa eu escapei, ele pensou, e quando o carro enorme dobrou a esquina e sumiu, ele pôs seu carrinho também em movimento e, ao se ver longe, começou a gritar: "Idiota é você. Cego é o seu pai." Berrou isso com plena consciência de estar certo. O homem não tinha visto que um dos faróis de seu precioso automóvel estava trincado.

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