segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pequenas alegrias urbanas (80) -- O sonho

Era um desses homens que, quando falam da vida, olham tristemente para qualquer ponto, menos para o rosto de quem os ouve, porque relatam sempre desventuras tão grandes e aflições tão agudas que temem ser tidos como mentirosos pelos outros, que, pouco ou muito, conseguem fruir algum mel aqui ou ali, na passagem dos dias. Ele não fruía mel nenhum, não desfrutava nada. Se quisesse relatar alguma alegria, precisaria inventá-la. Uma noite, sonhou que estava andando por um lugar muito verde e ensolarado. Os passarinhos cantavam e havia no caminho uma árvore embaixo da qual ele se sentou. Caiu-lhe no colo maciamente um fruto de uma espécie que ele jamais tinha visto. Ele deu uma mordida, duas, sem acreditar que pudesse estar gozando tanta delícia. Com o fruto pela metade, fez um esforço enorme, desesperado, e acordou, porque nem sonhando se julgava digno daquela ventura.

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