segunda-feira, 10 de maio de 2010

Pequenas alegrias urbanas (96) -- Corcunda

Tinha passado de sete décadas e, embora os amigos ainda vivos enaltecessem seu bom aspecto e dissessem invejá-lo pela saúde que ostentava, sentia-se fraco, triste, e lhe pesavam agora as caminhadas que dois anos antes fazia com uma lepidez e uma satisfação às quais não faltavam antigas músicas assobiadas com entusiasmo juvenil. Tossia agora, a cada dez passos, o que o impedia de assobiar, e andava curvado como se fosse um agiota buscando no caminho moedas de ouro. Um dia, passando pela frente de um bar onde três homens observavam a rua e conversavam alegremente, ouviu: "Se soprar um ventinho, aquele coroa vai direto para o cemitério..." Encolheu-se mais, como se assim pudesse livrar-se das gargalhadas, e teria interrompido o passeio e voltado para casa mais infeliz se, ao olhar para trás, não houvesse visto um velho ainda mais acabado, a quem os homens chamavam de corcunda de Notre Dame.

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