quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pequenas alegrias urbanas (171) -- Os cabelos

A mulher espremeu-se para dentro do elevador lotado e acomodou-se à frente de um homem. Seus cabelos, molhados pela chuva ou talvez guardando ainda algumas gotas do banho matinal, roçaram umidamente o rosto do homem, que, embora tivesse uma formação pragmática e fosse um executivo, foi ungido naquele instante pela poesia e imaginou se ali onde os cabelos haviam roçado não lhe nasceria uma rosa. Enquanto ele devaneava, a mulher desceu num andar que ele não viu se era o quinto, o sexto ou o sétimo, deixando no rosto dele aquele insistente frescor de primavera. Esquecendo-se do compromisso que tinha no décimo andar, por duas horas ele ficou subindo e descendo pelas escadas entre o quinto, o sexto e o sétimo andares, numa frenética busca registrada pelas câmeras de segurança, no fim da qual soube, desconsolado, que jamais sentiria medo da morte, porque já estava morto, depois daquele raro e glorioso momento que jamais se repetiria.

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