terça-feira, 8 de junho de 2010

Pequenas alegrias urbanas (186) -- A flor

O homem passou pela casa com a placa de vende-se e viu, no jardim maltratado, uma flor não propriamente bela, mas exótica. Entre os dezessete e os dezoito anos, havia trabalhado como entregador numa floricultura e, além das flores mais vendidas, tinha folheado um catálogo de flores raras, que podiam ser encomendadas, e não se recordava de nenhuma que fosse sequer parecida com aquela. A casa estava desocupada e, no terracinho da frente, um gordo funcionário da imobiliária estava escarrapachado numa cadeira muito pequena para ele e sufocava-se em roncos. Foi fácil entrar e arrancar a flor. Era mesmo diferente, compacta como uma fruta, e logo o homem perdeu o receio de que o vento pudesse despetalá-la. O interesse com que olhava para ela enquanto andava para o ponto do ônibus começou a chamar a atenção das pessoas. Alguns rapazes zombaram dele, que segurava a flor como os fiéis conduzem a vela nas procissões, dois homens se olharam e balançaram a cabeça, como se aquilo lhes ultrajasse a honra, e uma mulher perguntou a outra se era Dia dos Namorados. Já na fila do ônibus, todos os rostos se voltaram para ele e para a flor. Supondo que dentro do ônibus a flor continuaria a provocar estranheza, estava pensando ou em deixá-la escorregar até o chão ou em enfiá-la disfarçadamente no bolso, quando uma repentina ternura se apossou dele, a lembrança de um longínquo amor aflorou e, tão espalhafatosamente quanto pôde, ele ergueu a flor até os lábios e a beijou uma, duas, três vezes, e voltou a beijá-la e beijá-la e beijá-la.

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