sábado, 10 de julho de 2010

Lírica (207) - Maçã

O amor o largou no meio da estrada quando ele tinha quarenta anos. Estranhou-se que alguém lhe tivesse feito isso e predisseram-lhe um sofrimento atroz, mas seu rosto, semelhante ao de um colegial de catorze, continuou a brilhar como uma maçã de capa de revista, e seus olhos verdes, favorecidos agora porque viviam úmidos, faiscavam como os de um gato assustado. Diziam-lhe que ele estava melhor do que nunca, e ele respondia com o entusiasmo com que os parentes de um morto agradecem condolências no sétimo dia. Voltou a uma vergonhosa atividade da adolescência - o exercício da poesia - e não havia um mês em que não enchesse ao menos um caderno com suas recordações. Neles estava a história de um suplício que ele, cada vez mais fiel à grandeza do amor extinto, reconstituía e ampliava. Talvez fosse um bom poeta ou talvez não, mas verdade é que soube expressar sua dor - se não nos mais de sessenta cadernos preenchidos em cinco anos, no seu rosto de maçã apodrecida e nos seus olhos turvos, aos quais nem mais as lágrimas davam brilho.

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