quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Situações (76) - A mulher

No dia do seu vigésimo aniversário, quando acabou a reunião com os amigos e ele entrou no carro, sentiu ao seu lado uma presença que o perturbou. Era uma mulher, ele soube, pelo perfume e pela expectativa buliçosa que lhe mexeu com o sangue. Desde essa noite, ele sempre a imaginou alta, esguia e sinuosa e pressentiu que um dia ela lhe revelaria por que o acompanhava. No início, supôs que a revelação estivesse iminente. Depois, pareceu-lhe venturoso esperar, e esperou. O dia da revelação veio cinquenta anos mais tarde, quando ele, estendido num leito de hospital, cansado de tubos e de soros, de médicos e de enfermeiras, sentiu o antigo perfume entrar no quarto com a mesma intensa fragrância de cinco décadas antes. Não chegou a ver a mulher, mas notou que ela o conduzia pela noite estrelada para um caminho que não era aquele excitante, desejado por ele na primeira noite. Mas gostou de flutuar de mãos dadas com ela.

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