quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Manhãs

Dar graças
por poder ainda
bem ou mal
respirar
poder ainda
abrir a janela
e supor que lá fora
a vida pode
ser bela
embora só
para os de sempre
e amaldiçoá-los todos

Poder tomar café
às vezes cumprindo
o milagre de
não engasgar
e poder engrolar
palavras
que ninguém
mais entende
e que são
à sua moda
bênçãos à vida
por nos ter poupado
para estas manhãs
em que podemos ainda
com nossas penúltimas sílabas
e a morte à espreita
dizer com a baba
que este mundo merece
que fomos enganados
fomos sim
mas fomos
porque nos aprouve ser
e não o fomos
até o fim

E que se
em nossa algaravia
matinal
alguém ouvir
a palavra céu
e imaginar
que uma invocação será
para que o alcancemos
será engano engano
engano

Dizemos inferno
chamamos inferno
clamamos inferno
todo dia
para lá chegarmos
e vermos tantos
que nos feriram
e nos vilipendiaram
porque tolos nos julgaram
tantos tantos
que nos acharam
insignificantes demais
para as chamas merecer
tantos tantos
tendo de aceitar estupefatos
no meio da rubra danação
a nossa incômoda
e acusadora companhia.

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