quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O músico

Disseram-lhe que ninguém tocava como ele. Além disso, era o único músico ali e, assim, nos bailes que se estendiam pela madrugada, era ele, com seu instrumento, que fazia dançar os casais e estreitava seus abraços à medida que a carne, alvoroçada e espicaçada pelos sons, exigia ser satisfeita com algo mais do que beijos. Gostaria de dançar também e, como os outros, aspirar o aroma que exala uma mulher apaixonada. Mas de quem viria a música, senão dele? Às vezes, alguma jovem olhava languidamente para ele, mas logo era chamada por alguém e ia aquietar nos braços de um homem a ânsia provocada pelos sons aliciantes. Ele continuou tocando, anos e anos, até o dia em que lhe disseram que do seu instrumento só saíam melodias ultrapassadas. Havia agora um rapaz que dominava os novos ritmos e encantaria os casais mais do que ele. Rejeitado, ele nem imaginou que poderia finalmente misturar-se aos que dançavam, como havia querido. Isolou-se na sua casa e à noite, quando lhe chegavam os sons do baile, ele fechava a janela e punha-se a tocar bem alto o seu instrumento, para acabar reconhecendo, sempre, que o novo músico tocava muito melhor do que ele.

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