sábado, 26 de março de 2011

O amor morto

No peito puseram-lhe flores
e se nele houvesse ainda um sopro
um leve alento
elas poderiam imaginar-se
flutuando como sargaços
num dia de mar calmo
sem vento

enfiaram-no num terno
e de alguma gaveta
não a dele decerto
saiu uma gravata
e arranjaram-lhe também
um par de sóbrios sapatos
adequados à ocasião

Ele preferiria
uma calça jeans
uma camiseta
e um par de tênis
mas não lhe deram opção

Empertigado como um manequim
o amor ouve
todas as coisas boas
que todo defunto
tem o direito
e a sina
de ouvir

Há de ter feito
algumas vezes
algo não muito nobre
talvez até algo escuso
mas quem o recriminará agora
tão pálido à luz das velas
tão inofensivo
tão desprovido de segredos
tão incapaz
de armar seus enredos?

Falam bem do amor
chegam a lhe colocar
uma aura de quase santidade
e ele ouve ouve
ele ouve
e não pode retrucar

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