quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A lembrança

Às vezes, a lembrança mais grata que resta, de toda uma vida, não é nem épica nem grandiosa. Pode ser, como numa tela impressionista, feita de traços imprecisos, cores esfumadas, sensações mais da pele que da visão, um borrão aos olhos de um míope, fiapos de sentimentos, imagens mutantes como as de um caleidoscópio. Pode ser o sol diluído como numa aquarela, o verde indeciso de uma árvore, uma brisa movendo-se cautelosamente, para não incomodar as folhas e não balançar os ninhos dos pássaros. Pode ser um som quase inaudível, três ou quatro notas que pareçam um fragmento de Rhapsody in Blue e façam um homem sisuso sorrir na galeria do Conjunto Nacional, como se lhe tivessem revelado o segredo da vida - um segredo encantadoramente simples - ou como se a memória lhe houvesse trazido um olor único ou algo indefinível que ele julgasse ter perdido numa longínqua tarde de dezembro, ao descer a escadaria do metrô na Paulista.

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