sexta-feira, 4 de maio de 2012

Apostando no sol

Naquele tempo, convenhamos, eu era confiante, otimista até. Levantava-me, abria o micro e mandava-te um bom-dia, anexando o sol, mesmo que ele não houvesse aparecido ainda. Ele nunca me faltou, é verdade, mas não deixava de haver certa ousadia naquilo. Como enviar-te bons-dias quase sempre me rendia um retorno teu, era inevitável que me ocorresse a astúcia de mandar-te também boas-tardes e, por que não, boas-noites. Tornei-me um modelo de afabilidade e um exemplo de amigo fiel. Embora fossem três essas oportunidades diárias, assim que aproveitava uma começava a me sentir ansioso porque me parecia tardar demais a ocorrência da seguinte. E passei a tentar preencher os intervalos com mensagens para as quais sempre arranjava pretexto: um livro que havia lido, um programa visto na véspera, uma notícia de jornal. Penso que foi nisso que me perdi. Um dia, ou uma tarde, percebeste, apesar de toda tua gentileza, que era muito tempo gasto com uma pessoa só. E alguns - e depois todos - os meus truques começaram a falhar. Hoje acordo tarde, cada vez mais tarde, e não me animo a apostar na aparição do sol, nem tenho sempre pronto para dizer-te o que aconteceu ontem na tevê ou o que eu de madrugada, tentando não pensar tanto em ti, li no jornal.

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