segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O poema

Quando, à beira do túmulo, o melhor amigo anunciou que leria um soneto do poeta morto, o vento arrancou-lhe a folha da mão. Sob olhares constrangidos e alguns risos abafados, ele se pôs a perseguir o poema, ao mesmo tempo em que desabava uma inesperada e raivosa chuva. Os coveiros aceleraram o trabalho e cinco minutos depois, quando o amigo voltou, nem a família do finado estava mais ali. Foi um alívio para ele, porque a chuva agora parecia disposta a afogar o mundo, e a folha com o poema, tendo-lhe escapado irremediavelmente, o colocava na desagradável posição de depositário infiel e amigo inconfiável. Logo estava na lanchonete do cemitério, onde os outros, livres também da chuva e do poema, conversavam alegremente.

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