domingo, 30 de dezembro de 2012

O amor que nos envergonha

Costumamos suportar estoicamente o dia, com os ultrajes, os escárnios, as zombarias que nossa antiquada concepção de amor provoca. De manhã sofremos muito, à tarde um pouco menos e, à noite, nosso espírito dócil e nosso cansaço quase nos convencem de que a condição de vítimas nos cabe por merecimento. O pior instante é aquele em que, com a cabeça no travesseiro, ansiando pelo sono, nos entra no quarto aquela despedaçadora certeza de que, enquanto tentamos repousar, o sol nos espreita lá fora, escondido na noite, e virá, como sempre, nos empurrar para a rua e para os sarcásticos olhos que desnudam a nossa pureza e a expõem à chacota. Se ao menos dormíssemos em paz... Se dormimos, não sonhamos com a sacada para a qual atiraríamos flores certeiras para os braços da amada. Sonhamos com um campo imenso em que bodes e cabras, dezenas, centenas, copulam freneticamente enquanto uma voz gargalha e repete "amor é isto, amor é isto", até que um último esforço de nossa alma nos livra do horror e, encharcados por um suor fétido, abrimos os olhos a tempo de ver o sol nos convocando para mais um dia.

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