sábado, 26 de janeiro de 2013

Gato louco (para a Cleó)

Tive há muitos anos um gato que, de um dia para outro, mudou seu comportamento. Não brincava mais, não queria colo nem agrados. Passou a não comer e a não aceitar leite nem água. Enfiou-se atrás do fogão e de lá não saía. Nunca mais ninguém o viu dormir. Ficava ali, parado, como se fosse uma peça publicitária anunciando a breve inauguração de uma estátua. Movia só os olhos, e isso quando alguém se aproximava muito. Três dias se foram sem nenhuma alteração. A essa altura, toda a vizinhança conhecia o problema, e os comentários se multiplicavam: tinha comido carne envenenada, levado uma mordida de rato, era vítima de bruxaria. Para esses males, sugeriam-se soluções que iam desde a óbvia, de levá-lo ao veterinário, até algumas inusuais, como uma visita a uma curandeira e a defumação da casa com ervas. No quarto dia, já com a suspeita de que teria enlouquecido e logo começaria a se mostrar agressivo, eu consegui tirá-lo de trás do fogão, acomodá-lo na sua caixa e, pegando o carro, tomei o caminho do veterinário. Para melhor vigiá-lo, levei-o no banco da frente. Toda vez que olhei para ele, doeu-me a tristeza dos seus olhos, uma tristeza tímida, receosa, como se ele me pedisse desculpa por estar doente. Afaguei sua cabeça e ele me olhou mais triste ainda. Chegando ao veterinário, eu estava tão ansioso que tropecei num dos degraus da entrada e derrubei o gato. Ele, que ficara quatro dias sem se mexer, saiu correndo, atravessou a rua no meio dos carros e nunca mais o vi. Se um dia eu enlouquecer (ando perto disso), que minha loucura seja, como a dele, uma loucura calma, tímida, quase envergonhada. E que, se eu escapar quando estiverem me levando para a cura, que eu encontre um lugar como ele deve ter encontrado, um lugar em que não lhe tenham exigido nada e tenham se satisfeito com a pura verdade dos seus olhos, esse pobre gato de cujo nome nem me lembro mais.

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