quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

No jornal (Major Quedinho) - 36 - Um garoto esforçado

Foi na Major Quedinho. Uma noite nós, os revisores, tivemos uma surpresa: um garoto muito bem-vestido e asseado apareceu e disse ao chefe da revisão, Nélson Lima Neto, que tinha ido à redação para pedir emprego e lá lhe haviam indicado a revisão como o melhor lugar para ele. Parecia haver sentido naquilo. Só de olhar para ele se percebia que nossa fama de abrigarmos loucos de todas as espécies seria ampliada com aquele novato. O chefe lhe explicou que ele precisaria marcar data para fazer um teste e, se aprovado, esperar uma vaga. O garoto, que chegou com uma máquina de escrever e uma fotográfica, disse que faria o teste na ocasião adequada, mas que, para ir se ambientando, se colocava já naquele momento à disposição para ajudar. Nélson Lima Neto percebeu que era um doido com mestrado e indicou uma mesa, onde ele rapidamente se instalou, com as duas máquinas. Pediu a Gumercindo, contínuo encarregado de distribuir as provas para revisão, que deixasse algumas com ele. O chefe lhe disse que seria melhor se ele redigisse um texto. Passou-lhe um tema e o rapaz desandou a escrever. Tinha trazido também uma pilha de folhas. Duas horas depois entregou o resultado de sua escrevinhação. O chefe fingiu ler e disse que o texto estava muito bom. "Pode ir agora. Quer marcar já o dia do teste?" O rapaz respondeu que não, que achava melhor ficar mais um tempo se ambientando. Saiu, e ninguém esperava que ele fosse voltar na noite seguinte. Mas voltou e continuou voltando, dias e dias. Embora não a usasse, trazia sempre a máquina fotográfica. Na outra, escrevia os textos que o chefe lhe sugeria, e dava a impressão de estar muito feliz. O chefe lhe perguntava quando ele marcaria o teste e recebia a mesma resposta: havia muito tempo para aquilo. Assim foi, por mais de uma semana. Uma noite, repentinamente, ele foi à mesa do chefe e, com os olhos esbugalhados, exigiu:  "Seu Nélson, toma nota aí." O chefe pegou folha e caneta: "Pode falar." Com uma voz que ia subindo de tom e tornando-se mais agressiva a cada palavra, ele ditou: "Seu Nélson, o Brasil, o Brasil, o Brasil precisa, o Brasil precisa de enxadristas." Apanhou a máquina de escrever e a fotográfica e saiu. Dali a cinco minutos, o porteiro ligou para contar que o rapaz passara por ele gesticulando e dizendo frases intraduzíveis e, já fora do prédio, tinha atirado as duas máquinas no pequeno jardim que havia na entrada. As máquinas foram guardadas, à espera de sua volta, mas nunca mais pusemos os olhos nele.

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