sexta-feira, 29 de março de 2013

A revelação do amor

Pensou que seu amor se revelaria por si só: um olhar, um sorriso nervoso, a voz tremida. Mas, por garantia, resolveu declará-lo por escrito. Usou as melhores palavras, juntou-as com uma paixão que até então jamais sentira. Queria que elas soassem como um hino, com o mesmo brilho da história de Oscar Wilde sobre o rouxinol que espetava um espinho no coração para colorir com o próprio sangue uma rosa, porque assim, vermelha, a queria a amada de um poeta. Lembrou-se também de Gonçalves Dias copiando com sangue um poema, e, mesmo não sendo nem rouxinol nem Gonçalves Dias, empenhou-se com tanto sentimento no bilhete que suas lágrimas borraram o papel. Achando que as lágrimas e o sangue azul da tinta dariam bom testemunho do seu afeto, decidiu não passar a mensagem pelo micro. Levou-a à amada. Ela abriu o envelope distraidamente e também distraidamente leu. Quando devolveu o bilhete, perguntou: "Para quem é?" Ele pegou a folha. Imaginou que não tivesse escrito o nome dela, ou que as lágrimas o houvessem apagado. Mas ele estava ali, bem em cima. Abaixo, duas ou três palavras apagadas. Mas a palavra amor aparecia em quase todas as linhas, e o azul molhado dava a ela um brilho de orvalho que havia negado a todas as outras. Ele recolocou a folha no envelope e disse: "Olha, esquece. É para uma pessoa muito especial para mim. Eu queria só saber a sua opinião." Ela sorriu: "Ah, eu achei muito bom. A pessoa vai gostar." Ele olhou para ela com os olhos úmidos e agradeceu. "De nada", ela disse, começando a afastar-se. Não olhou para trás. Mesmo que olhasse, certamente não se importaria com as lágrimas dele, agora molhando o rosto e o envelope.

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