terça-feira, 26 de março de 2013

Estômago e afeto

Uma das cenas mais pungentes que vi foi meu pai, já semidevorado pela demência senil, na casa de repouso (talvez este seja o mais cruel de todos os eufemismos). Foi um dos seus últimos dias. Meu irmão e eu só podíamos visitá-lo semanalmente, se não me engano às sextas-feiras. Nesse dia, assim que chegamos ele sorriu e nos disse: "Hoje vai ter peixe no almoço." Conversamos um pouco na pequena sala de recepção, cinco minutos, não mais. Tocou a sineta no refeitório e ele se levantou instantaneamente do sofá. Não olhou para nós, não se despediu. Com a rapidez que seus passos doentes lhe permitiam, arrastou-se na direção de onde vinha, salgado, o cheiro de feixe frito. Vi, nesse dia, que sentimentos como o afeto e o amor são um tanto postiços em nós. O animal e seu instinto de preservação prevalecem em nós, acima de todos os outros.

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