sexta-feira, 26 de abril de 2013

De madrugada...

... um desses meninos que moram embaixo de um dos viadutos da cidade acordará e verá confirmada sua pior suspeita: o pai e a mãe terão fugido dele. Levarão só os dois irmãos menores que, por terem um rosto mais sofrido, conseguem esmolas melhores. Ele é desajeitado, meio metido a besta, tem vergonha de ser pobre, e começará a pagar hoje por sua presunção. De madrugada, uma garrafa de cachaça será dividida por três homens que serão mortos logo depois com trinta e tantos tiros e à noite deixarão em dúvida o foquinha na redação: três homens mortos são uma chacina? De madrugada, uma estrela parecerá cair lentamente e por um momento uma senhora insone pensará ser um sinal de que enfim haverá redenção para a humanidade. De madrugada uma menina puxará para a cama sua cachorra doente e, dormindo no meio de uma oração, terá um pesadelo horrível. De madrugada um homem chamará por Deus e um homem chamará pelo Amor, e seus apelos serão negados. De madrugada, num quarto humilde, um menino de cinco anos chorará, mas o pai e a mãe berrarão com ele, mandando-o parar, porque a madrugada de sábado é a única em que o trabalho dele como vigia e o dela como enfermeira permite que se entreguem ao sexo. Os dois gerarão esta madrugada uma menina estranha que aos dez anos será considerada santa por uns e abobada por outros.

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