sábado, 27 de abril de 2013

Matarão

Hoje continuarão matando pessoas, porque essa é desde o início a principal vocação do homem na Terra. Para que consumir anos compondo uma sinfonia ou uma peça que será a definitiva? Beethoven e Cervantes, quem os conhece? Beethoven e Cervantes são itens de currículos, temas de cultura geral. A imortalidade é construída num dia. Descobrimos isso, finalmente. Mostremos as nádegas e logo estaremos com quinhentos mil acessos na rede. Digamos que comemos Dária Vassilieva e pularemos para seiscentos mil. Admitamos que Dária Vassileva nos comeu e chegaremos a setecentos mil. Ainda não sabemos o nome de quem está matando neste momento uma grávida, uma dentista ou uma garotinha de seis anos porque ela está surpreendentemente desenvolvida para a idade. Hoje à tarde saberemos seu nome inteiro, com todos os Sousas e Silvas, e diremos "que coisa, você viu o que fez esse cara?". E nos dirão: "Claro, em que mundo você pensa que eu vivo?" E o que fizemos nós, e o que faremos? Nenhum de nós estará nos smartphones, entrando numa loja de conveniência, com nossa imagem reproduzida oitocentas mil vezes em cinco minutos. Continuar a sinfonia, retomar o romance? Ah, comamos Nádia Vassilieva. Ah, deixemo-nos comer por Nádia Vassilieva. Não nos esqueçamos de registrar tudo e arquivar. Nossos netos gostarão de, daqui a dez anos, mostrar aos amiguinhos como era o tempo em que nos contentávamos com seiscentos ou setecentos mil acessos.

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