segunda-feira, 20 de maio de 2013

Priscylla (9)

Começo a narrar meu terceiro encontro com Priscylla Mariuszka Moskevitch (aquele que talvez pudesse ser considerado o último) e já me envolve uma dessas nostalgias imensas, intensas, agudas, que só grandes acontecimentos são capazes de provocar. Nunca vi, e certamente nunca verei Priscylla como naquela tarde. A palavra que me ocorre para expressar o que ela me pareceu é moleca. Estava alegre, saltitava (física e mentalmente), e eu seria estupidamente presunçoso se pensasse - então ou agora - que esse seu estado de espírito pudesse advir do fato de ela estar comigo. Ela dava a impressão de ter resolvido alguma questão muito importante, de ter se livrado de um peso. Eu a veria, depois dessa, mais cinco vezes, com intervalos de até um ano, e em nenhuma ela se mostrou sequer perto da felicidade (creio poder usar esse termo) que revelou nessa ocasião. Penso como seria maravilhoso, para ela e para as pessoas próximas, se ela fosse sempre como foi naquele dia. Sorrimos muito, rimos, chegamos a correr juntos pela galeria do Conjunto Nacional quando ela me disse ter visto alguém com quem não queria falar. Era uma moleca, uma molecona, uma admirável guria. Sobre o que conversamos não me lembro, mas sei que nas quatro ou cinco horas não se falou de nada que não fosse alegre. Foi uma das maiores tréguas que a tristeza me concedeu em toda a vida. Não sei se para Priscylla a alegria, embora inegável, foi tão excepcional quanto para mim. Sei que, nas oito vezes em que a vi, foi a única em que ela me pareceu à vontade. No momento da despedida, com a noite já descendo sobre a Augusta, eu - angustiado por um desses pressentimentos que só o coração tem - a vi como uma imagem impressionista turvada por minhas lágrimas. Ela me olhou, incrédula, antes de começar a se afastar. Eu por uns instantes me dividi entre o impulso de segui-la e a vontade de ficar parado ali, para sempre. Acabei andando para o metrô. Há chavões que se usam para exprimir situações como essa. Um deles é dizer que a vida precisa sempre continuar. Não quero, não posso dizer isso. Minha vida, de certa forma, não continuou. A beleza atingira seu ponto máximo - aquele em que ela costuma coincidir com o ponto máximo da tristeza - e a partir dali qualquer repetição viria a ser uma cópia muito inferior. Passara o momento único. Alguns passos para uma direção, ou para outra, que precisariam ser dados, não foram, e todos os outros encontros posteriores, mais cinco, não representaram senão tentativas que eu já sabia destinadas ao fracasso. Tentar racionalizar isso, mais do que já racionalizei, seria tolice. Tudo, em meu convívio com Priscylla Mariuszka Moskevitch, esteve sempre na esfera de dois sentimentos - o afeto e a beleza. Tudo brilhou, não importa definir agora se como uma estrela ou um pirilampo. Brilhou e, vivendo na memória, hoje a enriquece como seu mais raro tesouro.

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