sábado, 21 de setembro de 2013

O rapaz

O rapaz olha para baixo. Dezenove andares. Quando comprou o apartamento, seu otimismo poético o fez dizer aos amigos que, com um pouco de sorte e habilidade, poderia talvez uma noite capturar uma estrela descuidada. Agora é noite, e ele nem olha para o céu. Olha para baixo. Aprendeu a olhar para baixo. Olhar para baixo é  sua sina. Continua jovem, é o que diz seu RG, embora no rosto haja rugas que na foto não havia. Os seus ideais todos morreram ou morrerão, como os habitantes de uma pequena cidade atingida pela peste. As suas esperanças fedem como o lugar na feira onde ficou a barraca de peixe. Olha para baixo e sente que é a hora. Não se matará, porém, e daqui a dez anos, olhando novamente para baixo, se arrependerá de não ter seguido o impulso. Já não será tão jovem e talvez, como agora, algo o impeça de se atirar ao generoso coração da treva. Alguns têm mais de uma chance, antes de se tornarem os velhotes pelos quais esperam as camas forradas de plástico dos asilos e a impaciente paciência das enfermeiras.

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