segunda-feira, 25 de novembro de 2013

"Leitura de poesia", de Margaret Atwood

"Ao observar o poeta - o poeta conhecido -
saquear suas entranhas, expondo
todo seu estoque de pensamentos destrutivos
e vergonhosas lascívias,
seus ódios rançosos, suas ambições fracas mas estridentes,
você não sabe se sente desdém ou gratidão:
ele está fazendo nossa confissão por nós.

Está encaixotado num pulôver macio,
desafiadoramente não preto, mas amarelo-claro
feito sorvete de creme, a cor
que você compra para as crianças quando não quer parecer sexista,
e seu rosto com a testa preocupada
flutua contra o fundo do palco escuro,
os traços um tanto indistintos
como o Sol através da névoa,

e você compreende como o rosto dele foi, um dia,
quando era um menininho ansioso
equilibrado nas pontas dos pés, fitando o espelho
e perguntando, Por que não consigo ser bom?
e mais tarde, São esses os meus verdadeiros pais?
e um pouco mais tarde, Por que o amor dói tanto?
e mais tarde ainda, Quem causa as guerras?

Quer tomá-lo nos braços
e lhe dizer um punhado de mentiras.
Gente normal não faz essas perguntas,
você poderia dizer. Vamos em vez disso fazer sexo.

Sabe que mulheres mais burras do que você
propuseram esse remédio para todos os males
da mente e do espírito. Jurou nunca fazer isso,
então está abrindo uma grande exceção aqui.

Mas ele só responderia,
Já lhe falei das minhas crostas de ferida e compulsões,
meus tormentos sórdidos, minha falta de dignidade -
Eu só iria sujá-la.
Por que perde tempo comigo?

Ao que você responderia:
ninguém o obrigou a fazer isto,
esta vadiagem com sílabas e dor,
este rolar nu sobre os cardos
e enfiar a língua nos pregos.
Você poderia ter sido pedreiro.
Poderia ter sido dentista.
Com um casco duro. Impenetrável.

Mas é inútil. Muitos pedreiros
estouraram os miolos com espingardas
por puro desespero. Com dentistas a taxa é mais alta.
Talvez seja em vez de, esta poesia.
Talvez a fileira de palavras
que sai dele agora como uma veia arrancada
seja tudo o que o mantém preso
a uns poucos metros desta terra.

Então você continua observando, enquanto ele se esfola
num êxtase de autorreprimenda;
ele está de roupas de baixo, agora,
a camisa de pelos, as correntes -
N.B., estas são metáforas -
e você vê que afinal
há uma fria habilidade nisso, como enfiar contas num colar
ou estripar uma cavalinha.
Há técnicas, ou truques.

Mas assim que você começa a se sentir lograda
a voz dele para, abrupta. há uma breve inclinação de cabeça,
e um sorriso, e uma pausa;
e você sente sua própria inspiração
como um punho de ar golpeando-a
e se soma ao aplauso."

(Do livro A porta, tradução de Adriana Lisboa, publicado pela Rocco.)

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