quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Deixá-lo entrar

Deixá-lo entrar, dar-lhe um pouco de leite e um miolo de pão. Vê-lo desfrutar o milagre de comer e puxá-lo depois para o colo, no sofá. Permitir que ele se acostume ao calor do seu peito e o olhe como um gato olharia a mãe. Sentir que ele começa a ronronar e já não teme nada, porque você está ali. Quando ele se mostrar confiante, coloque-o na caixinha, se preciso aos poucos, para não assustá-lo. Ligar para a veterinária, descobrir que Deus é grande e é tempo ainda de levá-lo esta noite, porque há ocasiões em que até um gato estropiado tem a sorte de ser adotado. Dirigir como se você estivesse transportando uma nuvem muito branca. Preencher o papel passado pela encarregada e, depois, suportar a tristeza de ver o gato o encarar como se você fosse o mais traidor de todos os seres que formam a miserável espécie humana. Dizer-lhe que ele ficará melhor ali, embora a essa altura ele já se recuse a falar com você. Ir para casa. Talvez essa lembrança, a de um gato vadio do qual você foi mãe por duas horas numa noite fria de setembro, seja a última que você tenha no dia em que se fecharem para você todas as portas e não houver ninguém para derramar leite em sua tigela.

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