quarta-feira, 19 de outubro de 2016

"Ausência", de Wislawa Szymborska

"Por pouco
a minha mãe não se casou
com o senhor Zbigniew B. de Zdunska Wola.
E se tivessem tido uma filha - não seria eu.
Seria talvez alguém com melhor memória para nomes e rostos
e para melodias ouvidas uma única vez.
Capaz de distinguir sem erro um pássaro de outro.
Com notas excelentes em física e química
e piores em polonês,
mas fazendo versos em segredo
de imediato muito melhores do que os meus.

Por pouco
o meu pai nesse mesmo tempo não se casou
com a senhorita Jadwiga R. de Zakopane.
E se tivessem tido uma filha - não seria eu.
Seria talvez mais obstinada em conseguir o que quer.
Saltaria sem medo em águas profundas.
Disposta a render-se às emoções coletivas.
Sempre vista em vários lugares de uma vez.,
mas menos com um livro, mais no quintal,
jogando bola com os meninos.

Talvez as duas até se encontrassem
na mesma escola e na mesma sala.
Mas sem afinidades,
sem nenhum parentesco
e longe uma da outra na foto da turma.

Aqui, meninas
- diria o fotógrafo -,
as mais baixas na frente, as mais altas atrás.
E um belo sorriso quando eu der o sinal.
Mas antes contem,
estão todas aí?

- Sim, senhor, todas."

(De Um amor feliz, tradução de Regina Przybycien, edição da Companhia das Letras.)



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