quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Como toda manhã (para Ana Martins Marques e Silvana Guimarães)

Como toda manhã
o homem lê o jornal
sentado no sofá

Como toda manhã
o cão espera
ao lado do sofá

O mundo de sempre está
no jornal esta manhã -
os mesmos fatos
as mesmas lutas
entre as mesmas facções rivais
os mesmos estupros e assassinatos
hediondos todos
alguns mais

O cachorro sabe que logo
o homem fechará o jornal
e como toda manhã
irá buscar sua ração

É sempre assim porém hoje não -
o tempo corre e o cão
começa a se tornar impaciente
ameaça gemer
mas o homem não se move

O jornal continua aberto em suas mãos
desliza agora um pouco para o colo
e é como se o homem
lendo uma notícia boa afinal
tivesse se concedido
dormir um pouco
reconciliar-se com o mundo
como se já não houvesse
estupros assassinatos
peste fome
suplício danação

Como se o mundo
fosse só um homem
cochilando no sofá
observado pela fome
agora aflita do cão.

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