quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O beijo

Ele a beijou, e foi como se estivesse tocando os lábios da estrela mais longínqua, mais desejada, mais indiferente, finalmente atingida e lastimavelmente fria, tão fria.

Superior

O fato de nunca havermos alcançado o amor em sua totalidade deve ser recebido por nós como um louvor por termos dado a ele uma dimensão superior, muito acima dos padrões fixados pela corriqueira humanidade.

Bazófia

Ainda, aqui e ali, se ouve alguém dizer que se entregou ao amor. Como se isso fosse uma sabedoria ou uma virtude. Como se fosse possível resistir. Como se alguém quisesse.

Ainda

Escrever é uma ambição que ainda tenho, embora hoje a confesse com frequência cada vez menor.

Um dos que

Eu sou um daqueles que o amor matou tardiamente, porque pensava poder ainda rir e escarnecer mais um pouco de nós e do  modo como nos ajoelhávamos diante dele, lambendo-lhe as mãos como o gado lambendo sal no cocho, enquanto o cutelo, afiado pelo amolador, soltava faíscas de nervosa impaciência.

Uma frase de Julio Ramón Ribeyro

"Estava, pois, instalado em plena insânia, e já maduro para as piores concessões e baixezas."

(Do livro Só para fumantes, tradução de Laura Janina Hosiasson, edição da Cosacnaify)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Mario Quintana (para Liberato Vieira da Cunha e Silvia Galant François)

Alguns poetas se movem como se a poesia fosse um sapato novo, dois números menor. Mario Quintana sempre caminhou como se usasse sandália nas ocasiões mais solenes e estivesse descalço em todas as demais.

Cotação do dia

Às vezes, como hoje, censuro-me por gabar minha tristeza, como se quisesse causar inveja.

9h03

Quando eu estava abrindo a porta da loja, senti uma tristeza dessas fundas, agudas, insuportáveis, como se de madrugada o caminhão do lixo houvesse recolhido aqui um gato muito branco, muito lindo e muito morto.

"Jogo de empates", de Lourença Lou

"amor é santo de pau oco
e se preenche de fomes variadas

é doença de pele
ambrosia dos anjos
fogo selvagem

amor é a falta da vergonha
do insistente jogo de matar e morrer."

Do livro Equilibrista, Editora Penalux)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

O sol vinha brincar com Mario Quintana. Passeava-lhe nos lábios, fazia cócegas, provocava sorrisos. Quintana gostava, os dois se entendiam, e via-se facilmente que eram velhos amigos.

Pureza

Quando eu, tantas décadas atrás, comecei a imaginar que poderia ser um poeta, um dos requisitos era claro: a pureza de espírito. Penso, hoje, que não haver me transformado no que desejava pode ter relação justamente com essa pureza que não consegui cultivar em mim.

Aviso

Não estranhem se, neste período natalino, encontrarem minha lojinha fechada, um dia ou dois. Confio cada vez menos na sua utilidade. Os poucos fregueses que ainda a visitam têm, pelo que lhes ofereço, um amor piedoso, quase compassivo, um desses afetos ditados por uma consciência ou culpada ou já excessivamente comprometida com os apelos à solidariedade. Não estranhem, também, se a loja estiver aberta até no domingo de Natal. Acostumei-me a viver aqui, entre esses objetos que nada dizem a ninguém senão à minha memória, que os protege e mima como uma mãe protege e mima um filho único.

Frase de Henri-Frédéric Amiel

"A vida é o tirocínio da renúncia progressiva, da redução contínua de nossas pretensões, de nossas esperanças, de nossas posses, de nossas forças, de nossa liberdade. O círculo restringe-se cada vez mais; queria-se tudo aprender, tudo ver, tudo atingir, tudo conquistar; e em todas as direções cada um chega ao seu limite: nem plus ultra."

(De Um diário íntimo, tradução de Mário Ferreira dos Santos, edição da É Realizações.)

domingo, 18 de dezembro de 2016

A voz

Há alguns dias uma voz tem soado para mim. E é tão doce, tão calma, que eu me pergunto por que ela não me procurou antes. Tive uma experiência semelhante há dois anos, quando outra voz, que eu presunçosamente identifiquei um ano depois como a voz espiritual de Mario Quintana, começou a soar, ora séria, ora galhofeira. Quem será que quer dialogar agora comigo? Seja quem for, espero que ele não fique nessas conversas iniciais. Será você, Henri-Frédéric Amiel?

Contemporaneidade

Eu deveria ter sido puro naquele tempo em que a pureza poderia ornar meu rosto adolescente. Como ela parece inútil, como ela parece falsa neste rosto murcho!

Ascese

Caminho talvez para uma espécie de religião ou de ética. Inquieta-me a necessidade de estar limpo, como se planejasse buscar-me o mais especial dos seres. Começo a abrir meu coração como nunca, e ele me diz que eu talvez possa ainda ser digno de minha alma.

Percepção

Percebo, dia a dia, que é hora não de reafirmar convicções, mas de ir me despojando de tudo com que pensei me enriquecer espiritualmente. É tempo de voltar ao que fui na infância. Preciso estar pronto para a maior das aventuras. Devo sentir-me como me senti antes do primeiro giro do carrossel, no parque de diversões,

Confissão

Sim, eu tentei expandir minha tristeza, disseminá-la, fazê-la semear a flor da melancolia. Sim, eu sou culpado, por querer compartilhar a única riqueza que tive.

Feições

No fim, por não termos mais motivos para rir ou sorrir, nosso rosto inspira a impressão de sermos sábios, o que é um imerecido elogio à nossa apatia.

Hoje, na revista Rubem,

falo de coisas miúdas, apropriadas para uma crônica (www.rubem.wordpress.com)

Relâmpago

Se ele espirra ou se tosse,
dilata-se e desata-se
sua precipitação precoce.

Minha lojinha

Desde que iniciei este blog, em 2010, venho me sentindo como um comerciante que abre uma pequena loja, uma quitanda. Penso ser uma obrigação diária manter aqui um estoque mínimo, para eventuais frequentadores. Tenho conseguido, sei lá como! Vocês, leitores, sabem muito bem como: com estes textos que me saem cada vez mais penosos e menos satisfatórios. São 26 mil, e é triste ver como, a partir de certo ponto, murcham e se tornam mercadorias de segunda e terceira. A única relevância do blog é ter-me feito voltar à poesia, minha paixão da adolescência. Infelizmente, para os leitores, isso não tem nenhuma importância. Minha poesia, tantos anos depois, continua como era: juvenil, no pior sentido. Em horas como esta, de prestação de contas, vejo a vantagem de ter tão poucos fregueses.

Sobre a liberdade

Embora a poesia tenha mais raízes na ficção do que na realidade, receio sempre ser um impostor. Posso mesmo expressar o que sinto? E o que sinto pode interessar verdadeiramente a alguém? Quando lido com a poesia, penso que o faço com a intenção de iludir-me, de mudar-me, seja para melhor ou para pior. Tenho o direito de pedir aos leitores que me ouçam?

Concisão

A juventude é a época de todos os desperdícios. Esbanja-se tudo: gestos, dinheiro, energia. E palavras. Para cada objeto, noção ou ideia dispomos de uma infinidade de sinônimos. Aos poucos vamos voltando à simplicidade, passamos a usar apenas as palavras essenciais. Só algumas estão nessa categoria. Dez, talvez. A vida vai se apagando, e a morte não exigirá que a cortejemos para nos aceitar.

Borrifos

Quando o padre lhe ministrou a extrema-unção, o defunto não se importou com os respingos de água benta. Já se acostumara com os generosos perdigotos dos parentes e amigos.

Síntese

A literatura, em mim, foi uma ideia fixa que se transformou em obsessão antes de se tornar um projeto malogrado.

Um trecho de Liberato Vieira da Cunha

"Lá está Marisa, com seus cabelos dourados, com sua sombrinha azul. Aqui estou eu, aqui estamos nós, reinventando as histórias mais felizes de nós mesmos e desde sempre condenados sem culpa a jamais tornarmos ao que éramos."

(Do livro O silêncio do mundo, publicação da AGE.)

sábado, 17 de dezembro de 2016

Escrever para quê?

É a pergunta que me faço hoje, no portal do Estadão.

Cotação do dia (3)

A sensação de ser um homem morto que ainda não percebeu seu novo estado.

Cotação do dia (2)

Uma impressão - a de que tudo, antes, foi melhor - não confirmada pela memória.

A mão

Nós lamberemos as feridas do amor e ele acusará nossa língua de ser mais áspera e cruel do que a mão que, empunhando o chicote, rasgou sua carne.

Cotação do dia

Devagar, quase parando. Torcendo para parar.

Alfabeto

O que ele agora lê
na cartilha do seu futuro
é AVC.

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Era bonito quando o minuano parava de rugir, se assumia como pássaro e ia comer alpiste na mão de Mario Quintana.

Perempção

Há algum tempo, já, que eu venho achando a literatura uma desculpa cada vez menos aceitável para me absolver. Aos quinze anos, quando a apresentei pela primeira vez, eu julgava ter talento. Hoje creio ter só persistência.

TOC

Se alguém de mim duvidou,
Não tive dúvida alguma:
Sei desde sempre que sou
Duas pessoas em uma.

Um pensamento de Henri-Frédéric Amiel

"Que médico vale pelo poder uma centelha de felicidade e um único raio de esperança? A grande mola da vida está no coração. O ar vital da nossa alma é a alegria."

(De Diário íntimo, tradução de Mário Ferreira dos Santos, publicado pela É Realizações Editora.)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Soneto do Estadão (para Ludenbergue Góes)

São Paulo, em todo o teu mapa,
Na Ipiranga e na São João,
Na Penha, no Brás, na Lapa,
Na Luz, na Consolação,

Na praça Vilaboim
E no viaduto do Chá,
Um tanto, um resto de mim
Espalhado ficará.

Em pó me transformarei
E no teu corpo estarei,
Em cada parte um pouquinho.

Mas quem minha alma buscar
Somente a irá encontrar
Na rua Major Quedinho.


Cotação do dia

Valho o que julgo valer: nada. Houve um tempo em que não pensava assim. Eu era tolo, nessa época.

Último ato, cena final (para Paula Giannini)

Só não me retirei ainda do palco porque talvez algum espectador, o último, queira atirar-me no rosto um tomate e vê-lo explodir triunfalmente em meu nariz de palhaço.

Amores

Às vezes desconfio de todos os meus amores. Até o maior de todos, o que dediquei à literatura, eu chego a recear que não tenha sido senão fruto de uma indigna premeditação e de uma laboriosa persistência.

Comunicação

Não sei se a poesia me tornou melhor. Se tornou, não fui avisado.

Estratégia

Censuram-me porque me deprecio. Não notaram que faço isso pelo meu egocentrismo: sou sempre o maior dos tolos, o mais desafortunado dos homens, o supremo infeliz.

Um final de crônica de Liberato Vieira da Cunha

"Tanto que descubro, em uma página baldia, as 14 linhas do mais lírico soneto de Camões. O mesmíssimo Camões das terríveis análises sintáticas, aqui brando e terno como deve ter sido na hora em que o copiou a jovem, esquecida benfeitora que me legou estes breves segundos de reencontro e plenitude."

(Do livro O silêncio do mundo, Editora AGE.)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Maturidade

Você não é mais aquele tolo que acreditava no amor. Você evoluiu, você aprendeu. Você não é mais feliz.

Máximo

A melhor idade
para um escritor
é a posteridade.

Lupanar

A melhor diretriz
é entrar à direita
e seguir em frente
até a terceira meretriz.

Autodefinição

Sou um homem que escreve e pensa ser escritor.

Natal

No escurinho
ganhou um panetone de marca
e uma garrafa de vinho.

Jogo

Por ele somos vencidos
E nunca recompensados.
O amor tem sextos sentidos
E lança dados marcados.

Leilão de garagem

Aposentando-se, o poeta pôs à venda alguns dos itens de que não precisaria mais: o sol. a lua, as estrelas. Para esses não surgiram interessados, talvez por dificuldades de transporte. O cisne foi negociado logo no primeiro dia.

Sinais

Cada vez que a memória o leva de volta aos dias de sua felicidade, ele descobre mais um ou dois detalhes dessa época, como um movimento da amada para ajeitar os fios de ouro dos cabelos ou um sorriso no qual, no momento em que se entreabriu, ele deveria ter pressentido como era frágil tudo aquilo em que pensava sustentar-se sua vida.

Época

Em dezembro costuma aparecer o Próspero. Feliz, esse Próspero. Tem onze meses de férias.

Reencontro

Hoje a Morte passou por mim e piscou. Era uma loira de blusa xadrez, como aquela que muito tempo atrás passou por mim na Paulista, piscou e disse chamar-se Morte.

De Mariana Ianelli sobre Mario Quintana

"Camarada dos ventos e do poema como translúcida ponte entre mundos, antevia o dia em que, pifando todas as tralhas do mundo cibernético, os que sobrevivessem só entenderiam os poetas que falassem de amor."

(Do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, edição da ardotempo.)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Consonantal

Corinthians, que namorada terá no nome esse doce encontro do "t" com o "h"?

Balão

O amor não pede licença,
Jamais pergunta se pode,
Não analisa, não pensa.
Infla-se, acende-se, explode.

Ontem

O que fizemos foi feito.
Era outro tempo, era outra hora.
Não nos queixemos agora
Se outro era então nosso jeito.

Marcador (para Silvana Guimarães)

Há no livro policial
entre as páginas
noventa e oito
e noventa e nove
não uma rosa
mas uma mariposa
outrora curiosa
que não mais se move
em sua precisa
e definitiva
pose mortal.

"Paralelismo", de Lourença Lou

"coxas e glúteos
disputam calçadões
preguiças e adutores

os braços sustentam
a volta dos seios
à pós-adolescência

de dois em dois dias
domo cavalos mecânicos
e me dobro ao espelho

depois dos cinquenta
vaidade se escreve saúde."

(De Equilibrista, publicação da Editora Penalux.)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Conjuntura (para o Xico Sá)

Os antigos diziam
com rima fraca mas sabedoria
que a economia
é a base da porcaria.

Atributo

Quem lida com a poesia pode ter mãos de pedra, mas seu coração deve ser de jardineiro.

O amor

Minha relação com a prosa me dá invariavelmente a impressão de ser algo meio sorrateiro, meio furtivo, meio pecaminoso. Sinto-me clandestino, traidor, desleal. Meu amor será sempre aquele da juventude: a poesia.

Iguaria

No banquete do amor
com avidez
dentada a dentada
toda nudez será castigada.

Escândalo

Apesar dos esporros
as rimas obstinam-se
e engatam-se como cachorros.

Tela

A galinha posta
sobre a mesa -
natureza-morta.

Um trecho de Amiel

"Para as coisas capitais da vida estamos sempre sós, e a nossa verdadeira história jamais é decifrada pelos outros."

(De Diário íntimo, tradução de Mário Ferreira dos Santos, publicação da É Realizações.)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Soneto da tristeza circense (versão final)

Escrever foi a sina que me coube
E crendo nessa sina me empenhei
Como pela coroa luta um rei,
Entretanto escrever eu nunca soube.

Derrotado, infeliz, amargurado,
Vencido pela própria incompetência,
Tenho afinal agora a consciência
De que escrever jamais foi o meu fado.

Se fosse, o amor jamais escarneceria
De meus versos, de minha poesia,
Não os submeteria a humilhação.

Se fosse, o amor acaso chamaria
Este texto, que eu chamo de elegia,
De farsa ou de comédia-pastelão?

Brandura

Agora, perto do fim,
Cultuemos a mansidão.
Soe terno nosso sim,
Soe brando nosso não.

Chorar assim

Não fica nada bem para um homem chorar como um menino órfão ou um bezerro desmamado. Mas como alivia chorar assim, mugir assim lastimosamente.

Jeito

Na poesia, muito mais do que na prosa, o essencial não está no que dizer, mas em como dizê-lo. E, às vezes, em dizê-lo sem dizer.

Voz

Se tem a brisa,
precisa por acaso a rosa
de mim para cantá-la?

"Destino", de Djanira Pio

"Ao elemento feminino
coube,
segundo os céus,
a responsabilidade
da procriação.
A continuidade
da vida.
Ficou o dilema:
para que continuar?"

(Do livro Olhares, RG Editores.)

domingo, 11 de dezembro de 2016

Tempos verbais

Sou um homem do passado. Não vivo, não faço, não aconteço. Vivi, fiz, aconteci. Meu futuro está resumido num verbo cuja única relação com qualquer atividade é ser a negação de todas: morrer.

Certidão

Morreremos de causas naturais:
falência múltipla de órgãos
e fadiga dos materiais.

Alter

Se o poeta em ti não fosse tão diferente de quem és, teus versos federiam assim que começassem a sair de tua boca.

Prudência

Se for o caso de fazeres mau juízo de ti mesmo, convém que o faças antes que outros venham a fazê-lo, quase certamente com mais sólidos argumentos.

Consciência

Tenho vergonha de tudo quanto sonhei. Eu era jovem, ou ao menos não tão velho, mas não deveria ter sido tão ingênuo. Disse que tenho vergonha? Corrijo: tenho asco de mim. Provoco distúrbios em meu estômago, gostaria de vomitar-me.

Sob medida

Para um haicai
uma chuva  sempre cai
como uma luva.

Tentações

Fechar os olhos
ao mundo
fechar os olhos
à vida
fechar os olhos
à rima
fechar os olhos
a tudo.

Ainda Henri-Frédéric Amiel

"Sou suscetível ainda de todas as paixões, porque as tenho todas em mim. Como um domador de animais ferozes, tenho-as enjauladas e atadas, mas ouço-as rugirem às vezes. Afoguei mais de um amor nascente. Por quê? Porque com esta segurança profética da intuição moral eu os sentia pouco viáveis e menos duradouros do que eu. Afoguei-os em proveito da futura afeição definitiva. Os amores dos sentidos, da imaginação, da sensibilidade eu os penetrei e rejeitei, queria o amor central e profundo. Ainda creio nele, e tanto pior para a honra do sexo feminino, se não tenho razão.
     Não quero estas paixões de palha que deslumbram, consomem ou secam; chamo, aguardo e espero ainda o grande, o santo, o grave e sério amor que vive em todas as fibras e em todas as potências da alma. Toda mulher que não o compreende não é digna de mim. E, se hei de permanecer só, prefiro levar minha esperança e meu sonho a malcasar minha alma."

(De Diário íntimo, tradução de Mário Ferreira dos Santos, publicação da É Realizações, Editora, Livraria e Distribuidora Ltda.)

sábado, 10 de dezembro de 2016

Cotação de hoje (às 15h23)

Quem aperta minha mão deve sentir a mesma repugnância que sinto agora, ao apalpá-la. Pele velha, por que não te desmanchou ainda inteiramente o tempo? Quem te dá o direito de envolver um pão e levá-lo à boca poluída por tantas outras peles impuras, por tantas palavras podres, por tantas pragas inutilmente proferidas e tantas inócuas maldições?

Modos de ver

Se um poeta se recusa a falar do amor, pode-se louvar sua ousadia, mas deve-se deplorar sua decisão.

Curso

Deixai passar,
deixai correr,
deixai findar,
deixai morrer.

Pior

Mais falso que o amor é esse pássaro que em nome dele vem diariamente trazer a você, como se fosse em nome dele, as palavras que você já conhece tão bem.

Identidade

Sou o poeta do amor, vocês estão vendo. Não preciso mostrar-lhes meus versos nem o coração. Basta vocês se fixarem nos olhos mortiços e nestes lábios murchos nos quais outrora vicejaram palavras amáveis e expressões esplêndidas.

Como

O amor é insistente como um agouro, exasperante como um pecado e persistente como uma maldade.

Palavras

Estava já naquele estágio em que a loucura limitara seu vocabulário a oito ou dez palavras, repetidas com a apaixonada ênfase dos crentes. Uma delas era amor.

Só até ali

Escrever só textos curtos, agora. Você está cansado, as palavras também, e é melhor que não fales mais do amor. Os mortos devem descansar, tenham feito o que tiverem.

Aviso

O editor recebeu o velho poeta, que insistiu em marcar a entrevista, e foi logo avisando: "Olhe, poesia tudo bem, eu até gosto. Mas não me venha com sonetos. Hoje só tenho paciência para haicais."

De Henri-Frédéric Amiel, sobre os livros e as mulheres

"Os livros e as mulheres, tive eu acaso outros refúgios? Mas coube-me procurar os livros, e foram as afeições femininas que me procuraram. Que é que eletriza, consola, vivifica, abençoa, inspira, aconselha, encoraja como uma mulher? Que é que alivia, reanima, ampara, cura, acalma o corpo sofredor ou doente, ou o espírito perturbado, como a voz, a mão, o hálito ou o olhar de uma mulher amante? Quando penso em tudo o que devemos ao sexo feminino, fico emocionado; quando penso em tudo quanto podemos fazê-lo sofrer, fico perturbado; quando penso em tudo quanto nele dormita e pode florescer sob a influência viril, experimento uma espécie de entusiasmo, sinto que um mundo novo dorme oculto no seio da mulher, e que uma humanidade mais bela, melhor, mais heroica do que a nossa poderá nascer, quando o homem for digno de engendrá-la."

(De Diário íntimo, publicado pela É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda.)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

A glória

Falo dela hoje no portal do Estadão.

Soneto do amor e seu discípulo

Podes, amor, censurar
Este meu jeito de ver,
Este meu modo de ser,
Esta maneira de amar?

Sou tolo, vens me acusar,
Ingênuo, vens me dizer,
Porém só pude aprender
O que quiseste ensinar.

Confiei em ti, simplesmente,
Tão plena e tão cabalmente,
Que, vivendo só por ti,

No dia em que tu morreste
(Amor, não percebeste?)
Eu também, amor, morri.

Soneto das contradições do amor (para Celina Portocarrero e Marisa Lajolo)


O amor não tem compostura,
A lei do contraste preza,
Procura quem o despreza,
Despreza quem o procura.

Imerso em sua loucura,
Rezando por sua reza,
Favorece quem o lesa,
Não cuida de quem o cura.

O bem com o mal contrastando,
Vai nossa crença firmando
De que por ele viver

Tanto pode ser antônimo
Quanto pode ser sinônimo
De sofrer e de morrer.


Uma delas

Tudo começa na juventude, quando nossa tolice nos leva a julgar que certas atividades (como a literatura) enobrecem e justificam a vida de um homem.

Histórico

Foi um ideal

Foi-se alterando
dia a dia
tornou-se obsessão
depois frustração

Hoje é ocupação
hábito mania
falsa declaração
de inexistente poesia.

Autoavaliação (para Silvana Guimarães)

Eu sou daquela
espécie de poetas
de meia-tigela
que tentam encher a panela
com duas metades ineptas
que nunca chegam a compor
uma unidade completa.

Butim (para Veronica Stigger e Silvia Galant François)

Quem há de querer
assaltar um poeta?
Num bolso um filhote de estrela,
No outro, nenhum objeto,
Na mão, um soneto incompleto.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Obra (para Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

Escrevo todos os dias.
Obra? O que é isso?
Planto uma rosa,
Mal tenho como regá-la.
Cada manhã planto uma.
Não tenho tempo de aperfeiçoá-las.

Soneto que celebra tua face

Lembro-me de tua face
Como ela foi, como ela era,
Naquela azul primavera,
Como se ainda hoje a fitasse.

Quem me desse, quem me dera
Que aquele tempo voltasse
E que com ele retornasse
Nossa paixão, tão sincera.

Talvez eu hoje ao amor
Possa dar maior penhor
Do que que dei antigamente.

Ainda é débil minha rima
Mas forte o afeto que a anima
E meu coração não mente.

Rima

Procurei na gaveta
e não encontrei
o colibri.
Fico devendo
o soneto
com a chave de ouro
de rima rica
que estou fazendo
para ti.

Poeminha do óbvio

Bons foram os primeiros.
Os antepenúltimos,
os penúltimos
e os últimos
são o que são:
passos derradeiros.

Posologia

Não há melhor vitamina
nem tratamento mais recomendado
para a poesia
que uma dose diária
de amor frustrado
e uma de melancolia.

Acréscimos

Talvez você pense ter exprimido tudo que é possível dizer sobre o amor. Não importa. Se algo  mais lhe ocorrer, não hesite. Dizem que o amor é importante.

Peculiaridades

O amor é um sentimento sujeito a chuvas, trovoadas, amuos, melindres e chiliques.

Pelo menos

Se pelo menos o amor fosse um pouco menos essencial, se pudéssemos relegá-lo, diminuí-lo, ignorá-lo. Se ele não tivesse sido proclamado a maior - e até a única - fonte da vida. Se ele não fosse tão amável, tão agradável, tão desejável,

Posições

Alguns dizem ter compromisso com a poesia. Geralmente não são os poetas. Estes, como se sabe, estão sempre nas nuvens, poetando.

O rosto

Talvez em outras vidas
tenhamos chegado a ver
o rosto da Morte.
Se vimos, fizemos
bem em esquecer.

Um trecho de Henri-Frédéric Amiel

"O amor sublime, único e invencível, leva direto à beira do grande abismo, porque fala imediatamente do infinito e da eternidade. É eminentemente religioso. Pode mesmo tornar-se religião. Quando tudo ao redor do homem oscila, treme, vacila e se obscurece nas longínquas obscuridades do desconhecido; quando o mundo não é mais que ficção e magia, e o universo mais que uma quimera, quando todo o edifício das ideias se desvanece em fumo e todas as realidades em dúvida se convertem, que ponto fixo pode restar ainda ao homem? O coração fiel de uma mulher."

(De Diário íntimo, tradução de Mário Ferreira dos Santos, publicado pela É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda.)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Descrição (para Alfredo Aquino)

Mariana Ianelli
é uma borboleta que voa
com dois ou com um só "l".

Manifesto (para Silvana Guimarães)

Com as unhas e os dentes
que me restarem
defenderei meus poemas
e seu direito de se manifestarem.

Ele (para Tuka Tucah)

Se for escrever uma crônica, nunca cite um gato no início, a menos que esteja disposto a falar dele até o último parágrafo. Um gato nunca pode ser senão o protagonista.

Privacidade (para Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

Alguns pronomes são tão pessoais que é quase indigno mencioná-los.

Cautela

Assim como certos remédios, alguns verbos, como morrer e matar, deveriam vir com tarja preta.

Base

Um poeta há de estar preparado para interpretar ao menos o que lhe dizem as flores, a brisa e os pássaros.

Trecho de "Lotte & Zweig", de Deonísio da Silva

"O fato é que todos nós temos um objetivo invisível, e é para lá que rumamos. Precisamos descobrir qual é esse objetivo e, se for o caso, alterá-lo."

(Edição da LeYa.)

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Soneto da proximidade, com toques de Onan (versão final)

Eu sou aquele que teve
A sorte grande na mão
Mas pecou por omissão
E prêmio nenhum obteve.

Eu sou o tolo, o bufão,
Que a um passo da glória esteve
Mas a um passo se deteve
E à glória disse que não.

Nunca tive a melhor fase,
Sempre estive perto, ou quase,
Sempre nas imediações.

Rocei a mão por esse ouro
Que constitui teu tesouro
Mais vezes do que supões.

Ressalva

Dizem que sou presunçoso
E que é colossal meu ego.
Talvez por ser preguiçoso,
Nada refuto nem nego.

Plano

Tornar-se cada dia mais fraco, para que, quando vier, a Morte não tenha problemas com o transporte.

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Colocar em Mario Quintana o fardão da academia seria como engaiolar um passarinho.

Compromisso

Escrevo ainda para pagar a promessa que fiz a um menino, há sete décadas. Sei - e ele me diria, se me encontrasse - que eu poderia tê-la cumprido com mais brilho. Mas ele também é em parte culpado. Poderia ter suspeitado que eu, também um menino na época, não merecia ser levado tão a sério.

Na real

O maior problema de um poeta, quando morre, é acostumar-se a não tratar mais as estrelas como metáforas.

Círculo (para Marisa Lajolo)

Toda velha guarda
se apresentou um dia
como vanguarda.

Um trecho de Hugo Almeida

"Abrirei mão de tudo. Deixarei essa cidade imóvel. Conforto, dinheiro do pai, família, tudo abandonarei. Você, com seus desenhos, será testemunha da minha juventude, só. Seu marido? Um funcionário de sapataria ou cartório. Filhos chorando. Adeus, arte, sonhos. Vejo o mar, jangadas são pontos no horizonte infinito. Ando pelo cais. Fora da barra, um longo navio fundeado. O piscar do farol, à noite, é convite, certeza de partida. Vou navegar os mares, desembarcar em todos os portos. Explorar todas as baías. Marinheiro de mil viagens. Um dia, voltarei, livre, livre, rodeado de glórias."

(Do conto "O canto do sonho", do livro Nove, novena - variações, edição da Olho Dágua.)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Soneto que pergunta o que é poesia (versão final)

Poesia, diga se nós
Poetamos ou  blablablamos,
Cantamos ou descantamos,
Se é digna ou não nossa voz.

Nos diga sem divagar,
Se orgulhar-nos nós devemos
Do ofício que recebemos
Ou o devemos deixar.

Nós a louvamos, poesia,
A amamos e a proclamamos
Nosso pão de cada dia.

Acertamos, afinal,
Ou será que nós erramos
E és um veneno mortal?

A situação

A coisa não vai tão mal.
Ganhou hoje na funerária
Uma distinção quase honorária:
O cartão de cliente preferencial.

Paz

No céu tudo será brando:
as harpas emudecidas,
o som dos mortos rezando.

Saldo

Se do que nós quisemos,
Em nosso anseio de ter,
De tudo nada obtivemos.
De que nos valeu querer?

O pardal e a arara (para Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

A retórica e a retumbância não são a poesia. Só depois que o último estardalhaço da arara sai de cena é que se pode ouvir o pardal. Por ele, pelos seus pios quase inaudíveis, é que costuma se proclamar a poesia.

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Os leitores querem - e precisam - acreditar na pureza de alma dos poetas. Em Mario Quintana isso era mais do que fácil: bastava olhá-lo.

Conhecimento

Eu sei, de fonte segura,
que o amor não tem compaixão
e a paixão não tem cura.

O drama

O drama de querermos fazer literatura é sabermos, já aos dezoito anos, que Shakespeare é inatingível. Tudo que se escreve depois disso é absolutamente inútil.

Colossal (para o Verissimo)

Isto é que é erro:
o casal de elefantes
chorando a morte de um bezerro.

Mau sinal

Se você jamais quis ser Shakespeare, você talvez seja sensato demais para ser escritor.

Mais um trecho de "Carta a D", de André Gorz

"Você dizia que tinha se unido a alguém que não podia viver sem escrever, e sabia que quem ser escritor precisa se isolar, tomar notas a qualquer hora do dia ou da noite; que seu trabalho com a linguagem continua mesmo depois de largar o lápis, e pode inesperadamente se apossar dele, bem no meio de uma refeição ou de uma conversa."

(Tradução de Celso Azzan Jr., edição da Cosac & Naify.)

domingo, 4 de dezembro de 2016

O que sou (para Silvana Guimarães)

Sou lento, lerdo, conservador. Tenho o DNA de uma mula. Há sessenta anos escrevo algo que chamo de poesia e só agora começo a assimilar mudanças que, estabelecidas há um século, já foram substituídas por outras tantas. Sou um soneto empacado, zurrando para a lua. Esta seria uma boa inscrição tumular, se eu viesse a ter uma.

Para Wislawa (versão final)

Alguns gostam de poesia.
Se fossem a uma reunião,
O número excederia
Os cinco dedos da mão.

Na Rubem

Hoje na revista Rubem falo de um furúnculo lírico e de outras aberrações que meu cérebro é especialista em conceber. (www.rubem.wordpress.com).

Dores (para Raquel Alice)

Algumas dores afetam o corpo. São as que se purgam com as lágrimas. As da alma, quem há de atrever-se a avaliá-las?

Pioneiro

O primeiro poeta que rimou amor e dor sabia do que estava falando, mas não devia ter dito.

O amor no espelho

Incumbimos o ser amado de ser o que nele gostaríamos de ver de mais belo. Exageramos tanto nisso, buscamos tanto a perfeição que o ser amado só não nos decepcionará se adquirir feição divina. Ele nos frustra, claro, e dizemos, então, que o amor nos mata. É, penso, um modo que encontramos de nos matar como se outra pessoa o fizesse.

Um trecho de "Carta a D", de André Gorz

"Estar completamente apaixonado pela primeira vez, ser amado de volta, era aparentemente banal demais, e privado demais, comum demais: não era uma matéria apropriada para me fazer atingir o universal. Um amor naufragado, impossível, isso sim, ao contrário, rende a nobre literatura. Fico à vontade na estética do fracasso e da aniquilação, não na do êxito e da afirmação. Preciso me erguer acima de mim e de você, à nossa custa, à sua custa, por meio de considerações que ultrapassam nossas pessoas singulares."

(Tradução de Celso Azzan Jr., edição da Cosac & Naify.)

sábado, 3 de dezembro de 2016

Quem?

Quem há de dar-nos consolo?
Contamos a nossa dor,
Dizemos que foi o amor,
E escarnecem: tolo, tolo.

Dupla ação

Sem interromper
o prazer de engoli-lo
o amor começa a verter
lágrimas de crocodilo.

Tempo (para Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

Uma das coisas que mais rapidamente envelhecem são as novas ortographias.

Atitude

Os rancorosos não merecem a bênção do amor. Porque é da natureza deste deixar em nosso corpo e em nossa alma as marcas da sua posse. Devemos cultivá-las como se nelas fossem nascer rosas. Jamais tomá-las como exortações à vingança.

Pauta

Quando você for transcrever as declarações de um bem-te-vi, escolha a sua melhor caneta e cuide para que a brisa, com sus pretensões de poeta, não o induza a erro.

Um trecho de "Carta a D", de André Gorz

"Era isso: você havia me dado a possibilidade de escapar de mim mesmo e de me instalar num outro lugar, do qual você me trouxera a notícia. Com você, eu podia deixar de férias a minha realidade."

(Tradução de Celso Azzan Jr., edição da Cosac Naify.)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

No portal

Hoje no Estadão falo de deuses e de como devemos tratar com eles (www.estadao.com.br)

A mais

Se o amor for mesmo uma calamidade, como se diz, merece também que se diga ser a mais desejada de todas.

Ajuste

Que cada um saiba
que tamanho tem seu amor
e que tamanho seu coração.
Pode ser que o amor caiba no coração,
pode ser que não.

O dia

Chega sempre o dia em que o amor nos leva para um canto escuro, avisa que vai nos fazer uma revelação, nos beija com todas as línguas e, acendendo repentinamente a luz, nos mostra, no meio de uma gargalhada, sua boca sem nenhum dente e seu rosto de bruxa da Branca de Neve.

Tal qual

Há fantasmas que tossem e capengam como sonetos tuberculosos.

SOS (para Deonísio da Silva e Liberato Vieira da Cunha)

A caridade pública recolheu os sonetos pelas ruas e os levou a um asilo. Alguns eram tão velhos que rimavam saudade com quem há de...

Bazófia

Mentem os velhinhos que dizem carregar o mundo nas costas. Estas não aguentam mais uma palha.

Paixão antiga

Aos doze ou treze anos, eu já amava tresloucadamente a poesia. Nessa época, era um amor correspondido.

O que é

A morte não é
Uma questão de filosofia.
É uma questão de tempo.

Procuração

Se eu quiser absolver-me pela poesia, terei de recorrer à alheia.

Gancho

Exponho meu coração
como um açougueiro
um rim um fígado um pulmão.

Cotação do dia

Escrever é um modo que arranjei de ir morrendo aos poucos.

Assim

Que enquanto estivermos vivos
Tenhamos um só senhor,
Que seu nome seja Amor,
E nós, seus dóceis cativos.

De Mariana Ianelli sobre Leonard Cohen

(...)"Leonard Cohen está sentado debaixo de uma janela onde a luz é intensa. Está muito perto das coisas que perdeu e sabe que não terá de perdê-las novamente. É esse homem que melhor se sente quanto menos sabem quem é. Este que agora sobe ao palco para cantar, no auge dos seus setenta e seis anos, com seu chapéu de feltro e seu terno impecável, provando que ainda existe neste mundo uma nota de elegância. Que ainda existe alguém que sente e pensa com elegância. Isso ele nos diz sem palavras, com um sorriso de doçura, apenas."  (30/04/2011)

(Do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, edições ardotempo.)









quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Se

O amor é aquele último colete que, se tivesse sido lançado...

Cotação do dia

Poetas velhos
poetas diletantes
deixai em paz os amantes.
Os que amam têm já tantos problemas.
Poupai-os de vossos poemas.

Cotação do dia

Em nossos lábios, a palavra amor murcha sem esperança.

Brinde

No sofá adquirido na loja de móveis usados, um tesouro pelo qual não se cobrou nada: o desenho deixado no veludo pelas garras de um gato em seus exercícios de alongamento.

Linhagem

Às vezes, a única aristocracia que um homem tem é o seu gato no sofá.

Aprendizado

O pouco que sei aprendi nos livros. Nem a melancolia eu posso considerar como um legado da sofrida alma polonesa.

Talvez só

O sofrimento de certas almas, quando devastadas pelo amor, não há palavras que possam exprimi-lo. Talvez só o som agudo, agudíssimo de um violino chorando por uma infanta defunta.

O essencial

Se o amor não fizer sofrer, há de ser despedido por justa causa. Agradinhos, beijoquinhas e lambidelas qualquer um encontra em qualquer esquina.

Um poema de Manoel de Barros

"Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras.
Sou formado em desencontros.
A sensatez me absurda.
Os delírios verbais me terapeutam.
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
(E sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso porque não encontrava um título para os seus poemas. Um título que harmonizasse os seus conflitos. Até que apareceu Flores do mal. A beleza e a dor. Essa antítese o acalmou.)

As antíteses congraçam."

(De Poesia completa, edição da LeYa.)