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domingo, 28 de maio de 2023
sábado, 27 de maio de 2023
Soneto da morte vespertina
Agora, sua vida morre agora,
Na tristeza da tarde que adormece.
Sua alma ascende ao céu, sua mãe chora,
Choram os seus amigos. Anoitece.
Um murmúrio monótono de prece,
Quatro velas queimando, e o vento, fora,
Suavemente nas árvores esquece
Sua dolente compaixão sonora.
Os versos seus que em lágrimas se esfolham
E de um celeste amor, com voz aflita,
Falam, todos os leem, e se entreolham.
A lua, então, abrindo o claro peito
Entra pela vidraça e deposita
Um punhado de lírios em seu leito.
sexta-feira, 26 de maio de 2023
Soneto de Romeu e Julieta
Eram Montecchio e Capuleto, e seu
Vínculo eram as lutas familiais
Nas quais se opunham seus porfiosos pais,
Até que um dia o amor apareceu.
E os dois, amando-se, não eram mais
Agora nem Julieta nem Romeu.
Eram, no céu azul que o amor lhes deu
Dois pombos, duas aves celestiais.
E já nem eram pombos nem mais aves
Quando enfim os feriu com inclemência
A flecha fria e cruel da realidade.
Eram agora duas almas suaves
Separadas pelo ódio na existência
E unidas pelo amor na eternidade.
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Soneto da casa pequenina
A casa era pequena, mas havia
No fundo um jardim em que nossas crianças
Com seus cantos, seus risos, suas danças,
Plantavam descuidadas a alegria.
Quando deitava a tarde e o sol caía,
Recolhíamos nossas esperanças
Ao fogo bom do lar. Com frases mansas
A tua voz, mulher, adormecia
Os pequenos na história da menina
Que encontrou o seu príncipe encantado.
Depois o amor, nossa paixão ardente,
O torpor suave e o sono esparramado
Enfim por toda a casa, pequenina,
Impossível, sonhada, inexistente
quarta-feira, 24 de maio de 2023
Soneto da flor que se refez virgem
Caíram tuas pétalas. A sanha
Desajeitou-te os seios, fê-los rasos
E desnudos se deram quase fáceis
À colheita dos dedos e da boca.
Abriram-se os segredos. O momento
Deitou-se sobre ti com força, e foste,
E vieste, e foste, e vieste, e sucumbiste
Úmida de teu gozo e de teu pranto.
Possuída, estavas coisa sobre a cama.
Mas depois, quando o peso te livrou
E recobrou a altura seu espaço,
Ergueste pelo chão as tuas roupas,
Teu porte mais soberbo do que nunca e
Tua feição de flor refez-se virgem.
Espetáculo
Quando ofereço minha poesia
sinto-me como um mendigo
exibindo as chagas
por alguns centavos a mais
As minhas torpemente forjadas
as dele talvez naturais.
Onde peço perdão
Pelo bem que não fiz
pelo mal que cometi
venho pedir-lhes perdão
e peço-lhes assim
com uma única palavra
perdão só perdão
minha irmã
meu irmão
por minha falta de modéstia
por minha presunção
Se uma palavra não bastar
minha irmã
meu irmão
e eu enveredar
por uma frase
por uma oração
quem me garantirá
que não me entregarei novamente
aos pecados da falta de modéstia
e da presunção?
Mestre Parkinson
Quando me aplaudem por um tropeção
Ou por um novo artístico tremor,
Não nego de quem vem a inspiração.
Mister Parkinson é meu professor.
Caminho
Que levam tuas mãos?
Que levas?
O cigarro apagado,
A escusa recusada,
O projeto, que projeto?
O de ontem, malbaratado,
O de hoje, mal projetado?
Levas o corpo
Que o ônibus leva,
O corpo e seu sono,
Enganosa trégua.
Soneto da pobreza e da fartura
Não posso dar-te o lastro da riqueza
Nem as delícias de uma vida quieta.
Comigo não terás sequer a mesa
Quem em casa de teu pai viste repleta.
Trocarás teu caminho em linha reta
Por um atalho cheio de incerteza.
Mas vem, que se em teu lar foste dileta
Em meu tugúrio tu serás princesa.
Vem! Sacrifica teu viver risonho
E a quentura de teu paterno ninho
Por mim que tenho frio e tanto choro,
Por mim que sempre estive assim tristonho,
Por mim que nunca tive algum carinho,
Por mim, mulher, que te amo e que te adoro.
Soneto em que se fala de um amor omisso
Serias tudo para mim. O lar
Abençoado que criança não possuí
E as nossas gozariam, junto a ti
E junto a mim. Serias o lugar
Em que eu me achasse, aqui, além, ali,
Pois nada te haveria de afastar.
Serias o milagre a desatar
O riso franco que jamais eu ri.
Serias humildade em minha história,
As loucas ambições com as quais me iludo,
Os aplausos, a pompa, a fama, a glória
Eu poderia todos esquecer.
Seriam nada, tu serias tudo.
Serias tudo. Não quiseste ser.
segunda-feira, 15 de maio de 2023
Grandezas
Que nenhum de nós se abale ou se abata ao se comparar com Shakespeare. Ele ser dez, cem, mil, um milhão de vezes superior a nós não é mais do que uma obrigação. Ele começou quatrocentos anos antes que nós.
Gramática histórica
No tempo em que se sabia o que eram pronomes oblíquos era proibido começar frases com eles.
domingo, 14 de maio de 2023
Concorrência
Aos jovens receosos de participar de concursos literários convém lembrar que, se houver um Shakespeare entre os inscritos, se tratará de mero pseudônimo.
sexta-feira, 12 de maio de 2023
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Serventia
Talvez possamos ainda ser úteis
não mais para as questões vitais da humanidade
a descoberta da Causa Essencial
a busca da Suprema Verdade
mas para as coisinhas chamadas fúteis
que não exigem descortino nem sagacidade
como dar abrigo a um cãozinho
ou salvar um passarinho da enxurrada
Talvez possamos ainda
talvez ainda uma vez.
quarta-feira, 10 de maio de 2023
Opostos
A minha mente estouvada
Não sabe bem o que faz.
O que tenho não me agrada,
O que não tenho me apraz.
Os cativos
Aqueles que do amor vivem cativos
Agradecem a Deus dia após dia
Por gozarem a esplêndida alegria
De estarem presos e de estarem vivos.
O aceno
O amor lhe acenou ainda uma vez, mas era já como o rascunho de uma petição de clemência encontrado no colchão de um prisioneiro executado no mês anterior.
domingo, 7 de maio de 2023
Personas
Hoje me peguei imaginando se Dante, Shakespeare e Cervantes não foram meros heterônimos de Deus.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Fugacidade
Ilude-se quem se gaba
Do estilo, forma ou conteúdo.
Aos poucos tudo se acaba,
Até que se acabe tudo.