segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
A literatura e suas possíveis distorções
Um pensamento que me ocorre com frequência se relaciona à grande paixão de minha vida: a literatura. Habituado -- talvez seja melhor dizer obsessivamente treinado -- a ver qualquer situação, até a mais corriqueira, com olhos literários, é inevitável que eu acabe distorcendo tudo, na tentativa de procurar a arte num levantar de xícara, num gesto simples, num afago, num boné sacudido em cumprimento. Carlos Drummond de Andrade sugeria a todos os que pretendessem se tornar escritores que, tomada essa decisão, passassem a olhar o mundo, a cada instante, como algo imensamente grande a ser narrado e descrito. Seria uma obrigação de cada candidato a escritor, um exercício que acabaria se incorporando à sua visão de vida. Acho precioso esse conselho e o tenho seguido dia a dia. Mas às vezes me ocorre o pensamento de que falei no início do texto: contemplar a vida com olhos literários já não é simplesmente vê-la, mas atuar para interpretá-la e transformá-la -- no fundo, talvez, uma forma presunçosa de viver, uma tentativa de recriar o mundo segundo os nossos sentimentos e ideias. Esse pensamento vem me inquietando cada vez mais e é um dos tantos provocados pela relação entre a vida e a arte. Fascina-me debater isso com leitores de meus livros, nos bate-papos que mantenho com eles em colégios de todo o Brasil. Sempre me interessa conhecer a opinião deles sobre essa e outras questões literárias. Talvez a palavra seja exagerada, mas considero uma bênção a oportunidade de falar sobre esses temas. Por isso, quando se reiniciam as aulas, fico alvoroçado com a expectativa de convites para as semanas de literatura, para as bienais de livros e outros eventos do gênero que se realizam de fevereiro a novembro.
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