terça-feira, 27 de abril de 2010
Pequenas alegrias urbanas (70) -- O conto
Na noite de lançamento do seu décimo segundo romance, a cortesia fez com que o escritor, depois de dar o autógrafo a um jovem agitado, ficasse ouvindo sua explanação sobre o que entendia ser a literatura. Soube pelo rapazinho, que parecia julgar-se porta-voz da sua geração, que o romance tinha morrido fazia mais de cem anos, que a vertigem da vida moderna exigia formas curtas e incisivas de expressão artística e que o conto, cada vez mais sintético, tendendo a três ou quatro parágrafos no máximo, era a única manifestação válida da arte literária. Soube também que o garoto irritadiço, coerente com esses princípios, havia escrito um conto e o inscrevera num concurso. Esperava naturalmente ganhar o primeiro prêmio, se bem que não confiasse na lucidez dos jurados, presumivelmente representantes da velha literatura. Disse que seu conto ocupava só três quartos de página e falava de um homem empenhado em descobrir uma palavra que fosse uma síntese de todas as outras e pudesse, pois, substituí-las. O escritor, conseguindo afinal safar-se da incômoda presença, lembrou-se de que tinha lido naquela tarde esse conto e o havia recomendado entusiasticamente aos outros componentes da comissão julgadora como o melhor de todos os que haviam passado por suas mãos. Vendo o rapazote afastar-se com seu ar de autossuficiência e desdém, suspirou de alívio e de satisfação, porque havia tempo de comunicar aos promotores do concurso que se equivocara lastimavelmente ao escolher aquele conto. Indicaria outro, que falava da paixão de um comandante por uma aeromoça.
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