quinta-feira, 13 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (109) -- O almoço
"Se dependesse de mim", ele começou a dizer, e ela, ao ouvir o tom lamuriento que sempre havia achado incompatível com a voz de um homem, pôs o telefone em cima da mesa e foi completar a arrumação da bolsa, porque ia sair. Olhou para fora, querendo saber se precisaria levar o guarda-chuva, e, ouvindo um pingo de torneira em cima de um prato, foi fechá-la na cozinha, onde o relógio estava adiantado cinco minutos em comparação com o da sala. O mau humor acentuou-se em seu rosto. Não queria chegar atrasada ao almoço que tinha com um rapaz possivelmente promissor. Onde tinha enfiado o celular? Abriu outra vez a bolsa, para procurá-lo. Por ele saberia a hora certa. Em cima da mesa da sala, o telefone vibrava com a voz do homem, que falava, falava, falava. Ela conhecia tão bem aqueles discursos... Ele devia estar dizendo que, se dependesse dele, tudo ainda poderia dar certo entre os dois, que ele a amava, que ele... que ele... Aquilo iria durar vinte minutos no mínimo, talvez quarenta, ela sabia. Irritada por não ter encontrado o celular e pensando com ansiedade no rapaz com quem iria se encontrar dali a pouco, ela pegou o telefone na mesa e perguntou: "Que horas são?" Apanhado no meio de uma frase que tinha estudado e achava bela, talvez até decisiva, o homem respondeu que eram onze e trinta e quatro. "Bom, outra hora a gente conversa", ela disse, desligando o telefone, e, olhando-se pela última vez no espelhinho, abriu um sorriso pleno, porque havia se livrado de mais uma tediosa ligação daquele homem e tinha enfim encontrado o celular numa das divisões da bolsa.
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