sábado, 15 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (116) -- Amarelo e azul
Vinte e dois anos depois, ele voltou à livraria da cidade onde, quando estava com trinta anos e seu primeiro livro fora lançado, tinha ido fazer uma palestra. Achou tudo um pouco mudado, o que talvez fosse uma traição dos seus olhos míopes, mas a gerente que agora o apresentava e relembrava sua estada ali era vendedora na época da primeira visita. Ele falou por uma hora e, quando se dispôs a dar autógrafos, notou na fila uma jovem que lhe trouxe uma recordação ao mesmo tempo doce e amarga. Se não estivesse certo de que haviam se passado vinte e dois anos, ele julgaria ser a mesma loirinha de olhos azuis que o ficara esperando depois da sessão de autógrafos e tinha dito, entre ingênua e maliciosa, que às quatro iria estar numa lanchonete ali perto. Parecera um convite, e ele o aceitaria, se não tivesse sido reprimido pela ideia de que aquilo poderia redundar numa infidelidade grosseira demais para quem estava casado fazia apenas seis meses. A imagem da garota permaneceu viva durante algum tempo e tinha voltado a assediá-lo dois anos antes, quando ele havia se separado da mulher. E agora lá estava uma réplica perfeita e perturbadora diante dele, pedindo-lhe que fizesse uma dedicatória. "Seu vestido era amarelo", ele comentou, e a garota, que estava com uma calça jeans azul, ficou sem jeito. Apareceu então, atrás dela, uma mulher loira, de olhos azuis, que sorrindo disse ao escritor: "Eu estive aqui, faz vinte e dois anos. Esta é a minha filha." O vestido não devia ser o mesmo de duas décadas atrás, mas era amarelo, e, quando mãe e filha se afastaram e caminharam para a saída, o escritor se refez da súbita tristeza, e ao mesmo tempo a acentuou, ao ver que, de longe, enquanto a garota de calça azul lhe sorria, a mulher de vestido amarelo lhe soprava um beijo, com um atraso de vinte e dois anos.
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