sexta-feira, 21 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (132) -- O marinheiro
Foi uma menina a quem jamais agradaram as fantasias. A irmã, um ano mais velha, nunca pôde fazê-la brincar com bonecas, banheirinhas, cozinhas completas, ursos fofos, gatinhos que afagados no ponto certo faziam miau. Depois dos sete anos, desistiram de dar-lhe coisas condizentes com sua idade, porque não tolerava nada, nem os livrinhos de bruxas e fadas. Rabiscava em cadernos, garatujava, fazia esboços, desenhava. Permanecia calada quase todo o tempo e a família imaginou que talvez na escola ela perdesse o laconismo, mas também essa expectativa se mostrou errada - uma contrariedade atenuada porque ela obtinha, mês a mês, as melhores notas da classe. Professores disseram que também ali ela falava só o indispensável, o sim e o não com que respondia às questões. Em casa, começou a fechar-se no quarto e ninguém sabia o que fazia lá. O apelido de bicho do mato, que lhe foi aplicado por algum tempo, atenuou-se depois para um caridoso vovó. Um psicólogo disse à família que ela parecia ter um medo obsessivo das pessoas, por julgar que só lhe queriam tomar as coisas. Passou assim pelos dez, pelos quinze e pelos dezoito, idade em que ficou célebre seu talvez mais longo diálogo. Um rapaz apaixonou-se por ela e lhe declarou isso. "O que você quer de mim?", ela perguntou, desconfiada. "Só amor", ele disse. "Amor?", ela perguntou, de novo. "É, tenho muito amor por você e...", ele começou, sentindo-se encorajado. "Muito? Amor é por acaso coisa que se possa avaliar, medir, pesar? Acho que não tenho nenhum para lhe dar." O rapaz sumiu, espalhou a história e nenhum outro jamais ousou lhe confessar amor. Se fosse possível um amor sem palavras, um amor feito de silêncios e subentendidos, talvez ela o entendesse. Aos vinte e cinco anos, a irmã, quando se despediu dela porque ia para um curso de um ano em Nova York, surpreendeu-se ao ouvi-la falar de um marinheiro dinamarquês. Fazendo perguntas sobre ele, concluiu que ela punha nisso alguma esperança. Ao voltar um ano depois, encontrou a irmã taciturna como sempre, mas soube que ela mantinha ainda alguma coisa com o marinheiro inglês. "Inglês?", ela estranhou, julgando haver entendido que era dinamarquês, e a irmã respondeu com um vago Smith. Partindo para mais um curso anual, ao retornar encontrou a irmã de luto. Havia morrido seu grande amor, o marinheiro chinês. Ao ouvir a nacionalidade do marinheiro, a irmã abraçou-a com pena, compreendendo que a fantasia repelida na infância havia se apoderado da imaginação daquela que, quando menina, afastava as bonecas com um desprezo que chegava quase ao asco. Acariciando-lhe os cabelos e enxugando-lhe as lágrimas, sentiu porém certo prazer vingativo que gostaria de ter gozado vinte e poucos anos antes.
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