quarta-feira, 28 de julho de 2010
Lírica (279) - A notícia
Quando soube da morte do amado, sentiu-se feliz por não viver com pai, nem mãe, nem irmãos que tentassem aliviar sua dor. Não queria ser consolada. Lançou-se contra as paredes, ansiando rasgá-las com suas unhas, mordeu as portas, arranhou-as, arranhou-se. Dilacerou tudo ao seu redor, mutilou, destruiu, amarfanhou, picou. Foram horas de desespero. Depois, convencendo-se tristemente de que o mundo continuaria a existir apesar de suas maldições e de seu ímpeto de devastação, pôs um vestido que julgou o mais apropriado para quem não esperava nada mais além da morte e deitou-se. Afundou em pesadelos que geraram outros, e mais outros, e muitos mais. No último deles, antes de acordar, viu-se aliviadamente morta. Não estava, porém, embora, ao sair da cama e se olhar no espelho, visse um rosto de anciã. Resignada a viver, lembrou-se dos peixinhos no aquário e foi levar-lhes comida, mas os três estavam mortos. Foi então ao quintal, para alimentar o passarinho, mas também ele estava morto, rígido como uma pedra. Na frente da casa, ela viu, amontoados, quatro jornais que o entregador havia lançado por entre as grades do portão e soube quantos dias haviam passado depois de receber a notícia.
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