sexta-feira, 30 de julho de 2010
Lírica (294) - Pássaro
Pensava no seu amado com tanta ternura, e no seu peito havia uma agitação tão doce que lhe ocorreu o pensamento de que era como se tivesse ali um passarinho. Alimentava-o, cuidava para que não sentisse frio, falava com ele e ouvia-o responder com seus pipilos. Soube desde o início que, por ser um pássaro destinado a cantar o amor, era frágil e doentio. Quando veio o inverno, notou que ele ficara ainda mais fraco e que, apesar de todos os seus cuidados, agora redobrados, ele parecia estar morrendo a cada nota que emitia. Passou a pensar com menos intensidade no amado, tentando poupar o pássaro, e o amado se ressentiu tanto que, acusando-a de já não lhe ter amor, disse que tudo estava acabado. Nessa noite, a do rompimento, ela sentiu que, se não exprimisse em uma carta todo o amor que ainda palpitava no seu peito, jamais veria o amado. Entre lágrimas, escreveu talvez os mais belos e pungentes parágrafos que um coração enamorado já conseguiu fazer. Escreveu por uma hora, deixando que as palavras lhe arranhassem o peito antes de sair, para que o amado visse em cada uma a marca da sua dor. Quando pôs o ponto-final, sentiu que seu amor estava salvo e desfrutaria o júbilo e a perenidade. Mas o pássaro dentro dela havia sangrado até a morte.
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