sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Lírica (806) - Maturidade

Há um momento, no ocaso da vida, em que tudo que nos sucedeu, o bom e o mau, o alegre e o triste, o aflitivo e o consolador, nos parece sem importância. É o que dizemos, mas nem nós acreditamos nisso. Como gostaríamos de viver tudo de novo, e mais intensamente, como nos agradaria sentir outra vez a carne e a alma dilaceradas pelo amor, pela sua febre, pela sua doçura e pelo seu veneno, pela sua entrega e pelo seu desdém. Que maravilhoso seria sentirmos isso - e não esta apatia, esta morte em vida que, mentirosos, chamamos de maturidade.

9 comentários:

  1. Não acredito que isso aconteça só na maturidade. Eu me sinto assim há tempos. Acredito mais que isso aconteça quando a gente não se enamora mais pela vida. Ou quando deixamos alguma coisa apagar nossa chama.

    Eu vivo dizendo para os meus poucos amigos que espero (todos os dias) por alguma coisa que salve minha vida. E eles se acostumaram a me ver apaixonada por tudo, por gente que não conheço, por escritores mortos, por canetas e cadernos. Chega uma hora em que a gente fica besta e começa a gostar do que não é humano, para, quem sabe, achar mais mágica onde não existe.

    É desesperador, confesso.

    ResponderExcluir
  2. Não encontrei seu email no perfil, senão escreveria diretamente.

    Encontrei seu blog por acaso. Entrei primeiro no perfil, vi que gostava de literatura, fui ler as coisas que vc escreve e só depois vi que já tinha publicado diversos livros. Hmm... Assim as coisas ficam mais difíceis, dá mais vergonha e as barreiras inadvertidamente ficam bem mais altas, afinal de contas, o que é que a guria quer falar com o escritor famoso?

    Mas, ao mesmo tempo, acho que pessoas que pensam parecido acabam gravitando na mesma órbita. Acho que, de repente, foi assim que acabei tropeçando em você. Deve ter sido por isso. Ou quem sabe pelo fato de vc já ter feito o que desejo há anos, ou seja, ter coragem de colocar qualquer coisa no papel.

    Bem, não vou ficar mais falando muito por aqui, afinal de contas, já estou até fazendo papel de besta. Se quiser, mande e-mail ou qualquer coisa. Meu endereço está lá no meu perfil e fico até com vergonha do meu blog, ultimamente tão sem inspiração e pouco literário.

    :-)

    ResponderExcluir
  3. Você resumiu tudo admiravelmente quando disse: "É desesperador, confesso." Eu acrescentaria: e bonito. Não acredito em risos, gargalhadas e, no entanto, às vezes me fezem tanta falta, e por quê? Porque a maioria pensa assim. Por cinismo ou não, não sei (quem conhece de verdade um ser humano?), admito que tenho orgulho de minha tristeza e de não andar por aí rindo como boboca. Posso estar errado, mas, quando me declaro triste, sinto certa sinceridade nisso e até certa superioridade. Algum psicanalista certamente terá resposta para essa anomalia que eu insisto em considerar meu modo de vida. Que você consiga aí um meio de domar a tristeza (ou de estimulá-la, não sei). Abraços

    ResponderExcluir
  4. A minha tristeza é muito mais relacionada à falta que sinto das coisas que nunca tive, bem como por me considerar inadequada ao mundo. Todos os dias travo uma batalha imensa ao ter que acordar, sair de casa e enfrentar esse enorme lugar que me parece tão avesso às coisas que gosto, que necessito, que gostaria de poder ter. Vivo num estado de eterna melancolia, esperando por alguma coisa que não sei qual é.

    Não posso dizer que não goste de sair por aí dando risada ou sendo feliz. Muitas vezes gostaria de poder ser como todos os outros, tão feliz e conformada com todas as coisas, satisfeita com um dia-a-dia que se resume a dormir-acordar-trabalhar-academia-namorar-dormir-de-novo. Quem sabe assim fosse muito menos dolorido.

    Acho que o que me causa esse mal estar é ter consciência. Se fosse um pote de gelatina talvez não me sentisse assim. :-)

    ResponderExcluir
  5. Lembrei-me de uma frase de J.M. Coetzee no livro "Juventude", que resume o que um personagem dele (provavelmente ele mesmo) sentiu na sua passagem por Londres, ao sentir-se inadequado para o mundo: "Na verdade, nem sonha fazer terapia. O objetivo da terapía é deixar a pessoa feliz. Para que isso? Pessoas felizes não são interessantes. Melhor aceitar o peso da infelicidade e tentar transformá-lo em alguma coisa que valha a pena, em poesia, música ou pintura: é nosso que acredita."

    ResponderExcluir
  6. Perdão, mudando as quatro últimas palavras: é nisso que acredita.

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. Eu acho que o deus torto que rege o meu destino realmente quer que eu leia Coetzee. Ele tem uma estranha maneira de se embrenhar por entre as prateleiras que namoro nas livrarias, aparece no meio das revistas que leio e até na minha conversa com vc. Ah, tantos livros pra ler e tão pouco tempo na minha vida.

    Realmente acho que vou ter que comprar uns livros dele e botar na fila. :-)

    (mandei o mesmo comentário antes, mas saiu umas abobrinhas no final, sorry!!)

    ResponderExcluir
  9. Atrevo-me a recomendar esse que citei - "Juventude" -, um relato do tempo em que o Coetzee, já sentindo a vocação literária, dava os primeiros passos e começava a sentir aquela desconfiança e aquele desdém com que costumam ser recebidos os jovens artistas.

    ResponderExcluir