quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Lírica (944) - O velho
Entrevado, o velho capitão passava os dias no sofá, onde o sentavam de manhã e de onde o tiravam à noite, para levá-lo à cama. A tevê ficava sempre ligada, mas não tinha nada a mostrar aos seus olhos quase mortos e também nada a dizer aos seus ouvidos indiferentes. Uma vez ou outra, uma imagem de mar surgia, num noticiário ou num filme, e então ele, que agora só dizia coisas ininteligíveis, se agitava e emitia sons que tinham uma desagradável semelhança com grunhidos. Quando a neta saía dos seus afazeres domésticos para ver o que estava acontecendo, ele, com a mão que já não lhe obedecia, tentava indicar a tevê. Às vezes, a neta olhava para o aparelho, mas o mar já desaparecera, como se fosse fruto da imaginação ou do desesperado desejo do velho.
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