Culturalmente, serei sempre pouco mais do que um selvagem. Filosoficamente, a palavra que me caberá com justeza será troglodita. A preparação que tive para a vida, talvez até por compulsão genética, adveio toda dos sentidos. Não tenho lógica nenhuma, assim como imagino que as paixões (às quais sempre quis me submeter) não devem tê-la, sob pena, acredito, de deixarem de ser genuinamente paixões. Quase não li nada dos filósofos e creio que nada aprenderia com eles, por minha obstinada tendência à desorganização e ao desmantelamento, além de minha natural inaptidão ao raciocínio. Tenho medo da razão, receio perder com ela meu encanto de viver - que está no tributo diário pago à exaltação quase demente dos sentidos. Gosto de Rousseau, no que ele tem não de filósofo, mas de estilista. Aprecio seus devaneios, seu sentimentalismo, a poesia que há em suas frases. Tudo isso me ocorre a propósito de uma leitura que iniciei - o Ecce Homo, de Nietzsche - e que em poucas páginas já me deu um prazer literário como poucas vezes senti. É provável que eu venha tendo, em relação a esse livro, uma atitude semelhante à de um cavalo diante de um raio de sol: vejo o brilho, não saberei dizer de onde vem. De qualquer forma, Nietzsche me proporcionou neste sábado - em que meus nervos se distenderam, como se fossem partir-se, e de minha alma se poderia dizer que está em frangalhos - momentos nos quais pude sentir, imensa e renovada, a inveja dos que conseguem percorrer a trilha da filosofia. Como incitação à leitura de Ecce Homo (publicado pela Companhia das Letras, em tradução de Paulo César de Souza), cito um trecho:
"Parece-me também que a palavra mais grosseira, a carta mais grosseira, são ainda mais humanas e mais honestas do que o silêncio. Aos que silenciam falta-lhes quase sempre finura e cortesia do coração; silenciar é uma objeção, engolir as coisas produz necessariamente mau caráter."
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