sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Situações (222) - Filosofia
Desfrutava pachorrentamente a aposentadoria, decifrando palavras cruzadas. Quando elas se tornaram fáceis demais, resolveu empregar o tempo em algo mais nobre. Optou pela filosofia. Começou com os manuais e depois, escolhendo os mais representativos, entregou-se à leitura dos filósofos das diversas escolas. Dedicou dez anos a Aristóteles, a Kant, a Hegel, a Schopenhauer. Assumiu um ar mais sério - mais triste, segundo a família - e leu com uma compenetração exemplar. Na semana passada, ocorrendo-lhe fazer um balanço desses dez anos, descobriu que a filosofia é um passatempo como outro qualquer, com um inconveniente: ao contrário dos livrinhos de palavras cruzadas, não há, no final, respostas para as questões. Desiludido, voltou às palavras cruzadas, mas já não se sente feliz ao fazê-las. Se lhe perguntarem o que acha da filosofia, dirá que é isso: um quebra-cabeça sem solução. E lamenta os dez anos perdidos com ela, se bem que sua noção de tempo, com as leituras, tenha se tornado incerta, assim como tantas outras. Ouvindo seus longos suspiros, a família tem agora como última esperança fazê-lo reunir-se aos velhos que jogam dominó todos os dias, na praça.
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