domingo, 16 de janeiro de 2011
Catástrofes de 2010
No ano passado, eu embarquei num amor tardio e tentava, contra toda a lógica e as probabilidades, mantê-lo navegando com esperanças que já nem eram as últimas, porque estas já se haviam esfarelado fazia muito tempo. Era com espectros de esperanças que eu procurava conservar à tona o amor porque, sendo triste e evidentemente o derradeiro, era o mais importante de todos. A vida que me restava dependia de ele não ir ao fundo, e eu me batia com as ondas e com minha eterna inabilidade de marujo para mantê-lo já nem digo navegando, mas dando a impressão de fazê-lo. Então, como se uma peste os tivesse marcado para a extinção em 2010, puseram-se a morrer meus amigos mais antigos, um após outro, às vezes dois por mês. Nos velórios, os poucos sobreviventes espantavam-se com a própria capacidade de resistir, apesar de todas as marcas no corpo e na alma, e atribuíam sua longevidade à sorte, ao acaso, e a nada mais. Quanto a mim, diziam, não sem certa maliciosa inveja, que o meu segredo estava naquele amor já nem de outono, mas de inverno pleno, que me faria, vaticinavam eles, continuar respirando quando todos eles já se tivessem ido. Quando eu chorava desconsoladamente sobre o defunto do dia, eles elogiavam a generosidade de meus sentimentos, sem nenhum saber jamais que, lá pelo meio do ano, o amor havia abandonado meu barco, agora impelido para os rochedos, e que minhas lágrimas, egoístas, eram motivadas por essa última e fatal catástrofe. Não imaginavam que eu chorava não por aquele homem deitado no caixão, mas pela desgraça de aquele homem, de nenhum daqueles defuntos todos jamais ser eu. A vida, só eles não notavam, me havia abandonado ao sabor de todas as ondas e tempestades, mas recusava-me a misericórdia de atirar meu corpo à praia.
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