No começo não foi bom
A loucura
rondava minha casa
batia nas portas
e nas janelas
sussurrava lá de fora
deliciosas indecências
prometia paraísos carnais
e vendo que eu não abria
me ameaçava
e sacudia os alicerces
como o lobo fazia
com os três porquinhos
Eu me encolhia
eu me benzia
eu me persignava
eu me lembrava de Deus
e O invocava
e Lhe implorava
que me salvasse
das tentações do Demônio
e das brasas do Inferno
Um dia
uma noite
para ser preciso
cansado de resistir
de fugir
de esconder-me
em todos os cantos
na sala no banheiro na cozinha
como se fosse um inquilino
com um ano de aluguéis atrasados
deixei a loucura entrar
Abençoada noite
foi aquela
e todas as outras
e todos os dias
depois dela
Livrei-me das normas
sacudi dos meus ombros os códigos
e em toda parte
começaram a me perguntar
admirados
se eu era mesmo eu
e me apalpavam
e me cheiravam
e perguntavam
a razão de minha alegria
Sim sou eu
sou eu este
que descobriu
a delícia de assobiar
nas ruas nas avenidas
de berrar uma ária
num vagão lotado do metrô
de libertar uma gargalhada
onde me der na telha
e de andar à noite
conversando com as estrelas
e de saber o nome
de todas todas mesmo
uma a uma sem exceção
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