Ocorreram-me algumas observações sobre um pensamento que parece ilustrar, mais do que nenhum, como Sylvia Plath via a literatura e o trabalho do poeta. O pensamento está no livro Poemas de Sylvia Plath, publicado pela Iluminuras, com tradução e notas de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça, e é este:
"O que mais me apavora, penso, é a morte da Imaginação. Quando o céu lá fora é só cor-de-rosa e os telhados, negros: aquela mente fotográfica que paradoxalmente nos revela a verdade, mas a verdade do mundo, que nada vale. O que eu desejo é aquele espírito sintetizador, aquela força 'que dá forma' e que faz rebrotar prolificamente, criando suas próprias palavras com mais inventividade do que Deus. Se eu me sento aqui e não faço nada, o mundo prossegue batendo como um tambor flácido, sem significado."
Numa primeira análise, poderia talvez alguém menos afeito aos processos de que se serve a arte, e a poesia está aqui incluída num posto de honra, sentir certa presunção em Sylvia, ao se declarar insatisfeita, e até inconformada, com o mundo assim como ele se exibia aos seus olhos. Seria uma daquelas arrogâncias de que quase sempre são acusados os artistas. Uma análise um pouco mais aprofundada, porém, nos leva para o caminho oposto: a vontade do artista de, observando o que o mundo nos propicia, fruí-lo melhor, ir à essência das coisas. Esse ir à essência, custasse o que custasse, foi um projeto que só a morte fez Sylvia abandonar. Ela se atormentou dia a dia para descobrir o que o mundo dizia a ela, o que o mundo poderia realmente dizer a ela, e, traduzindo essa busca em poemas, dar aos leitores, além dessa visão, um aceno para eles tentarem também descobrir o que o mundo vive dizendo a nós. Ficaremos nos rejubilando, como se meteorologistas fôssemos, porque certa semana de setembro nos ofereceu dias maravilhosamente iguais em sua temperatura e beleza ou nos atiraremos à aventura de ver em cada dia aquilo que o diferencia de todos os outros, passados ou futuros? Nós somos os dias. Sylvia tentou uma viagem ao coração do mundo, assim como Virginia Woolf e Florbela Espanca. O mundo as devorou no fim, mas muito do que não sabíamos dele, de sua beleza e de sua pungência, foi revelado.
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