sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Crime Improvável, de Luiz Carlos Cardoso
Todo leitor, quanto mais antigo e apaixonado for pela literatura, acabará tendo na última etapa do seu caminho mais motivos de frustração que de gozo. Acreditamos ter lido tudo que é importante e encaramos o que surge com o rótulo de novidade com um ceticismo que infelizmente se confirma em novecentos e noventa e nove vezes e meia em mil. Todo novato que se apresenta é como se fosse um farsante ou um pateta pisando num palco onde estiveram Shakespeare, Borges, Dante, Molière, Dostoiévski. Quem precisa de mais literatura?, acabamos dizendo, de mau humor. E, cansados de aturar tantos saltimbancos, nos empertigamos: "Só tenho tempo, agora, para releituras." Surge aqui outra questão. Num país em que, lastimavelmente, os leitores sabem ser Machado de Assis o maior de todos os escritores mas hesitam se lhes pedem uma lista de mais nove, e se a apresentam é com um sacrifício imenso - não pela riqueza mas pela falta dela -, mesmo as releituras se tornam mais uma tarefa que um prazer. Temos Clarice, claro, temos Graciliano, temos Euclides (para leitores especialmente dotados de estoicismo), temos Guimarães Rosa (para quem se dispuser a procurar as duas ou três douradas gotas que pingam a cada três páginas). Entenda-se aqui, e bem entendido, que falo como leitor, até porque não posso falar sob nenhuma outra condição. Um leitor com a coragem (e talvez a ignorância, admito) de dizer que a maioria dos livros brasileiros mais citados e indicados para vestibular é de uma chatice exasperante. De 1970 para cá, salvo meia dúzia de textos de Rubem Fonseca, temos quem? Dalton Trevisan, sem dúvida. E os outros nove? Que leitor, de supetão, poderia nomeá-los com satisfação, e não por mero ouvir dizer? Falando por mim, como se a questão me tivesse sido proposta, eu citaria seguramente Luiz Carlos Cardoso, com seu recém-lançado romance Crime Improvável (editora Ficções). Desde Dalton, nenhuma outra leitura me trouxe tanto prazer, nenhuma me fez viajar tão gostosamente e com tanto bom humor por menções, referências e releituras de clássicos. De dez, de vinte, de trinta dos maiores escritores de todos os tempos Luiz Carlos Cardoso extrai o que de melhor têm e cria um herói anti-heroico, Fi, que há de ter seu lugar na galeria de Macunaíma, de Palhares, Dom Quixote, Humbert Humbert, Nathan Zuckerman. A primeira impressão, e a mais forte, se formos entrar no capítulo das prováveis influências que todos os escritores têm, é a de que Luiz Carlos Cardoso é filho de Nelson Rodrigues e Vladimir Nabokov. Mas no correr do livro se notam outras - Stendhal, Balzac, Flaubert - e se conclui que as inspirações dele são mais as da boa literatura que as deste ou aquele escritor. Seu herói Fi, homem simples atormentado pela paixão por uma cunhadinha em flor, passa a viver peripécias sexuais e policiais na doida São Paulo, como se tivesse sido convocado pelos deuses a ser o primeiro revisor de revista (sua ocupação) digno de ocupar página inteira no noticiário. Luiz Carlos, que foi (e é) revisor, oferece neste livro a melhor "vingança" dos revisores (classe malfadadamente quase extinta) ao tratamento de segunda classe que sempre tiveram na imprensa. No início do romance, ele (com a voz de Fi) diz que não fará concessões, que passou a vida corrigindo erros alheios e agora se arroga o direito de ter um estilo, o seu. Pensei numa expressão de cinema: este romance é uma obra de autor, que assume todos os riscos, até o mais sério - o de desagradar ao leitor. Não foi o que aconteceu comigo.
Muito bom, Raul! Vou ler, certamente. Outro autor da atualidade que indico sem medo de ser feliz é Alexandre Raposo e sua trilogia, Memórias de um Diabo de Garrafa, Inca e São Tomé na América. Sou fã de carteirinha. Se puder, experimente. Comecei pelo querido Giacomo, o Diabo de Garrafa, e me apaixonei perdidamente por ele. Abraços e parabéns pelo blog.
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