Ele é um serial killer
Todo dia
escreve um poema
depois o mutila
quebra-lhe os pés
arranca-lhe as rimas
deforma-lhe o ritmo
destrói-lhe a beleza
se tiver alguma
e quando o sente frio
coloca-o num carrinho de pedreiro
e vai jogá-lo numa caçamba
ou num terreno baldio
Deixa pistas sempre
cada vez mais
fala de si
de sua rua
do que nela há
compõe estrofes
só com as letras do seu nome
e a vontade de assinar
o mortifica
e o consome
Quer ser apanhado
quer que o interroguem
quer confessar
Nem precisarão torturá-lo
Ele logo dirá
sou eu sim
e se for preciso
implorará sou eu
sou eu
acreditem por favor
sou eu
juro que sou eu
e logo irá
contando tudo
Podem chamá-lo
de monstro
cuspir-lhe na cara
Ele só quer que alguém
lhe pergunte
por que fez isso
para ele enfim contar
que é porque
precisa de ajuda
que é porque
há dois anos não dorme
e há dois anos
ouve uma voz
que diz ser
a voz da Grande Poesia
incitando-o a escrever
o Grande Poema
aquele diante do qual
os leitores se ajoelharão
as roseiras hão de florir
mesmo fora de estação
e o mel cairá do céu
em grossas gotas de chuva
Precisa dizer
que escreve
que escreve todo dia
que põe seu sangue
todo no papel
que se atormenta
que se cilicia
e é sempre tosco
e é sempre fosco
tudo que cria
e por isso ele mutila
e por isso ele tortura
e por isso ele mata
todas as suas criaturas
Talvez também alguém
lhe possa dizer
por que ele chora sempre
e por que sempre ouve
uma voz que às vezes parece
e às vezes não
a voz da Grande Poesia
que lhe pergunta
por que não se enforca
por que não se envenena
por que não rasga os pulsos
por que não mergulha
logo no lago
ao fundo do qual
não chegam nem as vozes
que induzem ao bem
nem as que instigam ao mal
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