quinta-feira, 3 de março de 2011
Lobo apaixonado
Enlouqueceu por amor e, nas madrugadas de dilacerante insônia, saía pelas ruas e andava até o amanhecer. Quando passava, os guardas-noturnos se inquietavam e não se envergonhavam de rapidamente entrar na guarita. Ele ia dizendo palavras estranhas, que, reproduzidas pelas raras e iletradas testemunhas, soavam como se pertencessem a uma língua desconhecida: constelações fúlgidas, esplendores magnos, ímpares excelências. Não faltaria, entre os que de longe acompanhavam espantados seus giros noturnos, quem garantisse tê-lo ouvido uivar como se lobo fosse e estivesse chamando os companheiros. Morava sozinho e um primo que foi visitá-lo notou não só a algaravia antes observada pelos vigilantes noturnos como também uma alteração no seu rosto, que se alongava como os da espécie lupina. Alarmado, o primo reuniu alguns parentes e o candidato a lobo foi convencido a se submeter a um psiquiatra. Com dez sessões, mais meia dúzia de medicamentos, voltou a usar um vocabulário aceitável e também seu rosto já começa a se recompor. Deita-se agora às dez e dorme a noite inteira. Mas, às vezes, algo no seu sangue ainda fervilha e ele sente o impulso, logo dominado, de sair pelas ruas gritando seus versos e uivando para a lua. Quando se lembra do nome da amada, imediatamente o soterra, empregando uma técnica que o psiquiatra lhe ensinou, dizendo-lhe ser a parte essencial do tratamento. Por enquanto, vai dando certo.
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