sábado, 27 de agosto de 2011
O pai
Olhando para o pai no caixão, lembrou-se com remorso dos desentendimentos que tivera com ele - nenhum muito sério, a não ser aquele que uma ocasião os mantivera brigados por mais de um ano. Ele tinha se apaixonado por uma mulher e, apesar das advertências do pai, fora viver com ela. "Ela não presta, filho, ouve bem o que eu estou te falando", tinha dito o pai, várias vezes, mas ele arrastou o caso por quase dois anos, até que um dia a mulher foi embora com um balconista de padaria, para um lugar que ele nunca soube se era Mato Grosso ou Goiás. "Eu avisei a você, eu sabia", disse o pai, quando se reconciliou com ele. E na véspera, chamado às pressas porque o pai estava morrendo, ele pegou numa gaveta documentos para uma internação que não chegaria a ser feita. Numa pasta, no meio de certidões, ele encontrou duas dezenas de cartas apaixonadas da ex-mulher. Uma delas dizia: "Ernesto, não conta nada pra ele, tá bom? Onde você me conheceu, de onde eu vim, com quem eu já andei, essas coisas. Quem sabe dá certo com ele. Eu tenho tara por ele, Ernesto. Sabe o que ele é? É você trinta anos mais moço."
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