Houve um tempo em que fui joguete do amor. Como um dado, ele me atirava sobre a superfície que lhe aprouvesse: na colcha de veludo, sobre a cama, na mesa da sala, no chão da cozinha. E irritava-se comigo sempre, quer minha face lhe mostrasse o um, quer lhe exibisse o seis. Jamais consegui satisfazê-lo, e dois meses depois ele me lançou ao fundo desta gaveta escura, que só é reaberta quando outro dado vem conhecer o ostracismo. Somos quase uma dezena, agora, e como gostaríamos de estar de novo naquela mão, ainda que ela nos lançasse na calçada e nos gritasse, como antes, "vai, maldito, vai". Talvez um de nós pudesse ainda, um dia, exibir-lhe o número desejado.
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