sábado, 10 de março de 2012
O sonho
Agora que o fogo do amor não mais o suplicia, ele sonha todas as noites com um rio que flui tão lento que é como se não fluísse. O sonho é quase sempre igual. Ele está sozinho, com um livro, embaixo de uma árvore que de quando em quando deixa cair sobre seu colo um fruto de ímpar frescor e doçura. Ele inspira um aroma que o faz pensar em alguma planta que só no Éden tenha existido. Lê, saboreia os frutos, inebria-se com o aroma. Quando acorda, seu rosto é o rosto que deveriam ter todos os aspirantes à beatificação. Noites há, porém, em que de repente o vento enraivece o rio e vira rispidamente as páginas do livro, enquanto a árvore se põe a arremessar com insolência os frutos, como se quisesse feri-lo, e um grupo de jovens homens e mulheres esplendorosamente nus escarnece dele, apontando sua roupa sóbria: panaca, frouxo, babaca. Ele começa a correr, então, e enquanto não acorda berra, grita, implora: não, por favor, Deus, piedade! Quando abre os olhos, seu rosto é o que costumam ter os atormentados pelo Diabo.
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