domingo, 29 de abril de 2012
E se
Pesam-lhe de dia a falta de futuro e de dinheiro, as dez horas na lavanderia passando a ferro as roupas alheias. Pesa-lhe à noite o corpo do homem, que vem só para fornicar e dormir, noventa e cinco quilos mal distribuídos tanto sobre ela quanto sob. Quando ele enfim se cansa, depois de dar duas voltas completas nela, como se fosse um garoto numa montanha-russa, e, passando-lhe os braços em torno, para mantê-la abarcada, se põe a roncar, ela tenta imaginar onde ele, que nem para os preservativos tem, encontra dinheiro para comer e engordar. Tapa os ouvidos, pelo menos até o momento em que o trânsito da madrugada começa a abafar os roncos, e só pega no sono quase na hora de acordar. Desvencilha-se dos noventa e cinco quilos e toda vez, no chuveiro, só agora limpando das coxas os resíduos da noite, promete a si mesma, de novo, que ou ele traz preservativos ou nada feito hoje. Cantando debaixo da água, porque falta uma hora ainda para entrar na lavanderia, seria quase feliz se não lhe voltasse a todo instante o pensamento: e se eu engravidar? E se eu já engravidei?
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